Como contar uma história milenar, cheia de mitos, de lutas e batalhas certas e incertas, com acontecimentos longínquos, que envolvem também religiosidade, sem cruzar a linha do ridículo, de beirar ao tosco e/ou ao evangelizador barato? Sem dúvidas, a missão de Alexandre Machafer (Brasil Imperial) e toda a sua equipe de Jorge da Capadócia foi árdua. Isto porque a história do Santo Jorge envolve não apenas momentos sobre guerra, mas também sobre a fé cristã, o que pode levar a produção a fracassar por motivos como: 1. convocar tons piegas; 2. Ser visualmente mal acabado.
Apesar de contar com uma filmografia com outros títulos que tratam sobre histórias cristãs, Machafer enfrentou uma complexidade maior desta, seja por questões que envolvem o roteiro que lhe foi entregue para dirigir ou de elementos do seu trabalho em si, na cadeira de cineasta, pois este é um título que convoca sequências de alto valor de produção. A partir de toda esta lógica, por um lado, existem acertos neste longa-metragem, que convoca uma decupagem enganchada em equilíbrio com a narrativa.
Há sim uma aproximação da plateia com o protagonista, por uma criação que sabe celebrar a grandiosidade de Jorge, como um guerreiro. Ao mesmo tempo, são criado recursos como quadros fechados, com uma mise-en-scène que dá valor as relações, deixando com que existam cenas mais íntimas, nas quais as fragilidades do protagonistas são reveladas. É este equilíbrio entre grandioso e vulnerável, que confere complexidade para Jorge e deixa que quem assiste se conecte com o que é mostrado na tela.
Neste sentido, a construção do papel de Jorge – que é vivido pelo próprio Machafer –, em termos de atuação, imprime este carisma e o máximo de organicidade possível, já que a mesma não está presente no roteiro de Matheus Souza (Eduardo e Mônica). Os diálogos do filme são truncados, expositivos e artificiais. Por isso, Machafer, bem como alguns integrantes do elenco, como Cyria Coentro (Entre Irmãs) e Ricardo Soares (Por onde levam as ondas), conseguem um feito na elaboração de suas interpretações.
O trio deixa mais palatáveis as frases que beiram ao constrangedor, pois dão valor também ao texto não falado, procurando auxílio nos gestos, olhares e silêncios. Já Roberto Bomtempo (Não tem volta), infelizmente, é o elo mais fraco entre os atores. O seu imperador soa como um grande malandro carioca, cheio de trejeitos contemporâneos. Em uma malemolência exacerbada, que suja seus movimentos e desconecta o espectador do contexto do enredo, há uma falta de naturalidade em seu trabalho neste projeto.
Em partes, é compreensível que isto ocorra, pelo fato de que Souza não foi habilidoso em seu roteiro. O texto parece sempre declamativo, o que quebra com as chances de construir uma atmosfera orgânica. Porque, ainda que seja difícil, de fato, escrever falas de tempos muito longínquos do passado, uma pesquisa um pouco maior de dramaturgias brasileiras e internacionais, ajudariam Souza a estabelecer uma fluidez maior em sua escrita. Outro ponto incômodo vem por conta das escolhas da fotografia e da direção de arte.
Há uma ausência de unicidade visual, no que tange à seleção de temperaturas. A impressão que o longa passa é a de que a equipe de arte e o fotógrafo pensaram nas suas concepções em cada sequência, porém não na obra como um todo. Além disso, as estratégias de tons são um tanto equivocadas. Nos momentos mais quentes, cores frias são usadas e vice-versa. Na realidade, este recurso poderia funcionar. Todavia, nesta produção em si, as tonalidades acabam por causar emoções opostas ao que a dramaturgia parece pedir. Por isso que elas são falhas.
Desta maneira, Jorge da Capadócia brilha, em partes, por trazer uma empatia merecida para a figura histórica de São Jorge, por contar com alguns coadjuvantes talentosos, que deixam a sessão minimamente interessante, por possuir uma direção inteligente e profundamente ligada com trama, bem como por saber utilizar efeitos visuais, em sequências de luta ou tortura. Mesmo assim, o texto artificial atrapalha a fruição e existem atores no elenco que não dão conta destes diálogos mal escritos.
Por fim, é preciso ressaltar que Jorge da Capadócia é preenchido de pieguice e melodrama, que não contribuem para a atmosfera quase sofisticada que a direção tenta convocar. É triste escrever isso, porque é um filme que quase chega lá, porém o resultado final é entediante e de um desespero para emocionar, que constrange.
Direção: Alexandre Machafer
Elenco: Alexandre Machafer, Roberto Bomtempo, Cyria Coentro
Assista ao trailer!