Europeus, certo? Assassinos, estupradores, sequestradores, ladrões, destruidores do mundo e genocidas que, ainda por cima, pensam deter alguma superioridade, dentro de todos os seus delitos e perversidades. Existem, ainda, os dominados por essa lógica tola de uma inteligência e uma sagacidade europeia que, na verdade, são modelos de intelectualidade deles e enfiados na goela dos colonizados.
Por fim, para resumir o que é a presença do ser europeu no mundo, para que a gente fale de cinema, aqui neste humilde texto, há o que veio depois e persiste na Terra de negativo, que vem também deste povo vil do norte global. Racismo, homofobia, transfobia, aquecimento global, capitalismo, patriarcado, catolicismo, crentes, estadunidenses etc etc etc, pense um problema da humanidade e muitas vezes a resposta será “é da Europa”.
Ufa! Com este desabafo retirado do peito, podemos retornar para a crítica cinematográfica e lembrar porque estamos aqui, certo? Los Colonos, primeiro longa-metragem do chileno Felipe Gálvez Haberle (Rapaz) traz uma história intensa, banhada de sangue, tristeza e um passado sombrio das colônias da América do Sul, exploradas e destruídas por brancos. A destruição em massa dos indígenas é o foco central aqui.
Para realizar o intento de convocar uma trama tão difícil e pesada, na qual existem vilões nítidos, mas sem planificar o seu enredo, Felipe, ao lado de Antonia Girardi (Rapaz) e Mariano Llinás (Argentina, 1985) constroem uma narrativa que complexifica as personagens e suas vivências. Todavia, a maior sacada deste roteiro é que não há uma tentativa de retirar a verdadeira culpa dos homens brancos europeus de caráter duvidoso. Pelo contrário.
Mas, a maneira encontrada para desfazer os nós do maniqueísmo em Los Colonos foi colocar a figura de Segundo (Camilo Arancibia), um homem filho de indígenas com branco e que é chamado de mestiço durante toda a projeção. Ele precisa sobreviver e deseja tentar tomar as rédeas de sua vida. Por isso, o jovem acaba tomando atitudes complicadas durante o caminho, porém é marcante o fato de que o jovem não tem tantas outras opções, não se ele se quisesse ficar vivo.
Dentro deste contexto colonial, existe uma criação de atmosfera imprescindível para a imersão na trama. Com musicalidades que mesclam a batida de tambor repentinas, com ruídos diegéticos, o clima de tensão é mantido no longa inteiro. Mesmo que existam respiros, que geram o equilíbrio do filme, a tensão é palpável, principalmente por conta do desenho, edição e mixagem de som.
Além disso, a precisão dos enquadramentos, que ganham pouquíssimos movimentos de câmera, e colocam as personagens centralizadas ou não a depender de suas hierarquias e locais de poder são fundamentais para o fomento da criação de sentido aqui. Juntamente com isso, chega o granulado, com o uso das temperaturas mais frias. A melancolia, a nostalgia e a perda são tão grandes que ocupam mais tempo no ecrã do que o próprio sangue que escorre da mão dos brancos.
O elenco contribui para esta técnica afiada e afinada, com composições corajosas e movimentações corporais que mesmo que sejam estereótipos de personas, são essenciais para a elaboração deste universo, preenchido de ganância, masculinidade tóxica e sede por matança. A ideia de superioridade jamais abandona o enredo e essa composição está nos corpos dos intérpretes calcasianos, que caminham eretos, possuem mais diálogos e ações velozes, frutos de suas trapaças.
Desta maneira, Los Colonos é uma obra que trabalha nas singularidades para compor o todo. Cada batida de percussão é única, cada texto sobre a colonização é único, cada palavra preconceituosa sobre os indígenas também, como no discurso da branca filha do maior dizimador de indígenas, que se tornou muito rico por isso. Ela diz, orgulhosa, como salva o “povo selvagem” com recursos que eles mesmos roubaram.
A hipocrisia e a crueldade são colocadas explicitamente nas falas das personagens, mas, ao mesmo tempo, com todas essas voltas e enganos que fazem parte do discurso do opressor até os dias de hoje. É no macro e no micro que Felipe constrói sentido e entrega uma obra prima, quase sem defeito algum. Talvez, a escolha de avançar no tempo sete anos faça com que a qualidade geral da produção caia. A premissa inicial se perde um tanto e a sua força também. Ainda assim, este é um filme histórico, em todos os sentidos que esta palavra pode ter.
Direção: Felipe Gálvez Haberle
Elenco: Camilo Arancibia, Mark Stanley, Sam Spruell
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