Há quem ame Yorgos Lanthimos. Há quem não o suporte. Intenso, provocativo e inventivo, o cineasta grego é um dos nomes pontuais do cinema hollywoodiano contemporâneo. Com uma produção vasta, que ocupa festivais e premiações globais, bem como as salas de bilheteria (Pobres Criaturas, por exemplo, custou $35 milhões e faturou $10 milhões), suas produções mais conhecidas são certamente renomadas, indo de Dente Canino (2009), passando por O Lagosta (2015) e A Favorita (2018), até Pobre Criaturas (2023), seu cinema é marcado pelo o uso da grande angular, da exploração de trocas repentinas de enquadramento, luz e temperatura, bem como pelo amor para com as histórias peculiares e extracotidianas.
Gostando ou não de Lanthimos, é impossível dizer que suas obras passam despercebidas. É por este motivo que uma expecatativa foi criada em torno de seu novo longa-metragem: Tipos de Gentileza. No entanto, aparentemente confuso com sua própria estética e seu grande desejo de transformar roteiros em imagens, talvez tenha faltado ao diretor se perguntar se não seria um bom momento para tirar umas férias, respirar e criar apenas quando estivesse refrescado e respirado. Isto porque tanto em sua direção, quanto em seu roteiro – escrito ao lado de Efthimis Filippou -, falta respiro, seja criativo ou técnico.
Contando três histórias distintas, mas repetindo o mesmo elenco em todas elas, as três tramas carecem de progressão e uma própria noção do que quer ser contado. Por esta razão, as personagens se tornam planas, bem como as suas motivações soam como esvaziadas. Falta tempo de tela, e de reflexão dos próprios autores da produção, sobre gênesis das figuras dramáticas e as relações que elas estabelecem entre si. Desta maneira, toda a concepção visual elaborada por Yorgos, ainda que estimulante em termos estéticos, não ganha a força que geralmente possui, justamente porque a decupagem não está à serviço da história.
O espectador aqui acompanha somente trajetórias focadas em efeitos e não em investigação. E o que tudo isso quer dizer? A ficção, antes de mais nada, em sua maioria, é sobre humanos, ainda que com metáforas e outros recursos que possam ser utilizados. Se não há uma profundidade no enredo e nas personagens, o imagético se esvazia. Mesmo que possam haver trabalhos artísticos que tenham apenas esta função (e isto é raro), sobretudo no cinema e, mais ainda, no cinema de Lanthimos, é preciso imbricar técnica e discurso. No longa, ainda que ele busque lançar um olhar sob as facetas mais sombrias, irônicas, hipócritas, egoístas e perversas da sociedade, a multiplicidade destas personalidades não são inseridas nelas.
De certa maneira, quando são postas no ecrã situações extremas de violência verbal e física, esse lado da humanidade emerge. No entanto, para inserir três curtas e chamar eles de longa, seria preciso criar uma unidade entre elas e que as mesmas fossem redondas, bastando-se em termos narrativos. A primeira necessidade se cumpre, pois em termos de argumentação e identidade visual, Tipos de Gentileza se completa em si. Já a segunda parte não acontece, porque são produtos inacabados que Yorgos oferta para o público. A sensação ao final da sessão é um vazio que se alastra.
Se personagens dependentes emocionalmente, que se submetem à condiçõe humilhantes, porque precisam da aprovação de alguém – de uma seita, do chefe, da esposa etc. -, o relacionamento do opressor com o oprimido tem que ser retratado em cena. O jogo de mise-en-scène, dos diálogos e textos não verbais devem marcar esta estratégia, porém para além dos rompantes e das reviravoltas. Falta uma jornada nestes cenários disruptivos, uma Bella Baxter, que descobre o mundo, um David, que quer curar seu coração partido para se encaixar no planeta, uma Abigail, que quer vencer na vida, porque a pobreza lhe convoca desconforto.
Falta Yorgos dentro do próprio Yorgos. Falta a mágica de ver personagens desabrocharem, falharem, tramarem, mas com um objetivo certeiro, que se desenha no ecrã, tal qual uma pintura, criada ao vivo para o comprador. Ainda que Hollywood exija de seus supostos gênios uma produtividade incessante e que Lanthimos seja portador de um dom para instaurar e/ou subverter lógicas do cinema dos Estados Unidos, com toda a sua mente estrangeira, o esgotamento alcança até o mais talentoso artista. Por isso que Tipos de Gentileza é um exercício árduo de espectatorialidade.
A plateia não tem tempo hábil de se conectar com nada que está sendo colocado em cada sequência do filme. Sem digerir uma peripécia mal contada, logo é exposto para a próxima e para a próxima aventura tola, que poderia sim ser um acontecimento cinemaográfico, caso fosse não um, mas três filmes, pensados, estudados, calmamente desenvolvidos. Uma pena…sobretudo para Jesse Plemons que esbanja talento em cada aparição apresentada, sendo o único a criar papéis realmente distintos entre si.
Direção: Yorgos Lanthimos
Elenco: Jesse Plemons, Emma Stone, Williem Dafoe, Margaret Qualley, Hong Chau, Joe Alwyn, Mamoudou Athie, Hunter Schafer
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