Por onde começar a traçar todos os pontos qualitativos de No Nos Moverán, longa-metragem mexicano, de Pierre Saint-Martin (Tristeza)? Talvez, não exista escapatória aqui e seja crucial iniciar com o óbvio e destacar o ponto alto da produção: a atuação de Luisa Huertas. A composição de sua Socorro é magistral. Empoderando-se do uso das fisicalidades e de seu tônus corporal, a intérprete conduz as emoções da protagonista para cada parte do corpo, revelando as doses de tensão, raiva, melancolia ou tristeza que está sentindo.
As modulações de voz também fomentam esta elaboração de uma mulher sofrida, com anos de luto, por conta da perda de seu irmão – que foi assassinado pelas forças armadas, em 1968 -, porém que é preenchida de resiliência, força e determinaçaõ. Huertas imprime estas marcas, transformando os seus tons, passeando pelos graves, agudos e pausas, direcionando o espectador para as palavras relevantes para sua personagem. Assim, a plateia sabe onde dói em Socorro e onde está a sua energia vital.
Esta construção também é fruto de um roteiro que convoca uma mulher complexa, que gera empatia por sua luta, mas que não é apresentada como uma senhora frágil ou boazinha. Pelo contrário, Socorro possui desvios de caráter – ela mata um gato por revanche, por exemplo -, ela deseja se vingar, fala com sarcasmo, tem camadas, é viva, é real e isso a aproxima do público mais do que qualquer mocinha plana, sem sombras. Além disso, esta é uma obra que mescla suspense, drama e comédia.
Sabendo transitar pelos gêneros, há um tom quase de tragédia grega aqui em No Nos Moverán, em termos de trajetória equilibrada – entre tensionar, emocionar, assustar e relaxar. Esta estratégia é que faz com que os contornos existam e engrandecem a problemática da figura central da trama. O riso, vindo da interação de Socorro e seu fiel escudeiro Jorge (Pedro Hernández), por exemplo, vem juntamente com a mistura com diálogos sérios, sobre morte e tortura.
A iminência da perda da vida é também uma das chaves da narrativa que, discursiva e imageticamente, deixa em suspenso a sobrevivência das personagens postas na tela. A habilidade de Saint-Martin em saber quando mexer a câmera eleva a potencialidade do roteiro, causando emoções múltiplas durante a fruição do longa. As escolhas de plano/contraplano, profundidade de campo e enfoque/desfoque criam um jogo com os olhos sob o ecrã, que aumentam a dinâmica de tensionamento, sem quebrar a atmosfera geral.
Porque há uma ambientação, vinda da mise-en-scène, de um trabalho que parece vir de Saint-Martin e da equipe de arte do filme, que é de morosidade. Mas, esta não é uma sensação sobre a obra em si e sim uma instalação que reflete as emoções de Socorro. Os adereços de cena, que entulham todo o espaço, deixando pouca mobilidade para a protagonista, deixam com que ela pareça presa naquele cenário, transmitindo a ideia de paralisia que a mesma sente diante do assassinato de seu irmão.
É desta maneira que No Nos Moverán dialoga com sua audiência. Entre uma investigação de uma personalidade humana profunda como a se Socorro, de um passado de brutalidade contra jovens no México e uma estética imersiva, que desperta o sensorial de quem acompanha a trajetória de Socorro em 120 minutos de projeção, que o longa de Saint-Martin é bem sucedido. Talvez, falte um pouco saber como finalizar de uma forma mais redonda a jornada de sua personagem principal.
Ela não completa o que se propôs ou encontra alguma saída. De certo, esta era a proposta dos roteiristas, porém mesmo sem final é necessário desenvolver um encerramento para uma ficção. Ainda assim, o resultado do longa não é comprometido e a exibição é impactante e deixa um desejo de ver muito mais trabalhos de cada integrante de sua equipe.
Direção: Pierre Saint-Martin
Elenco: Luisa Huertas, Pedro Hernández, Agustina Quinci
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