Em uma narrativa, aparentemente, simples, Rogério Cathalá convida o espectador de Movimentos Migratórios a mergulhar em camadas da complexidade humana e da própria natureza como um todo. Através de planos um tanto mais longos (para o que se tem feito na contemporaneidade), é possível analisar as emoções do protagonista da trama. Com um tempo de tela maior para o rosto de Pedro (Arturo Campos Begazo), fica compreensível quais são as suas impressões e reações em relação ao mundo.
A mudança de angulação, rimando com a progressão do conflito central, amplia a construção de sentido do que está acontecendo dentro da trajetória de Pedro. Assim, a busca do rapaz estrangeiro, que tenta se encaixar nesse ambiente novo, e a jornada para salvar o pássaro que cai em sua laje, são semelhantes. É a tentativa de viver, neste fluxo migratório, que pode machucar e colocar alguém (ou uma andorinha) em seu limite.
Neste sentido, Cathalá insere o público na perspectiva de Pedro, com estratégias além da extesão dos quadros com seu protagonista. Ao redor do jovem, todas as outras personagens são arquetípicas (a veterinária, o funcionário do emprego etc.). A partir de uma espécie de neutralização das figuras que cercam Pedro, o olhar para ele se potencializa. Para ele e para a andorinha.
Assim, a dulpa cria um pacto silencioso de afeto, que transborda na tela e contamina a plateia, que se emociona com a dinâmica da relação e dos símbolos entre os dois. A ideia de sair do preto e branco para as cores, algo que tem sido recorrete no cinema, desde 2023, é funcional aqui, de fato. A noção de melancolia e solidão, que se transforma em resiliência e libertação, é transmitida com essa escolha da equipe de Movimentos Migratórios.
Além disso, o talento e força cênica de Arturo fomentam ainda mais a ligação de quem assiste com a trama. É triste pensar que Begazo partiu tão cedo – como informa uma cartela ao final da projeção. Os seus movimentos e gestos contidos pela mise-en-scène mesclam técnica com espontaneidade. Há muito do olhar de Arturo em Pedro e é notável este fato devido a maneira como o intérprete utiliza a pausa e a mudança da direção dos seus olhares.
São pontos que se sobressaem porque são usos cotidianos do corpo, porém que funcionam no contexto do curta-metragem de Cathalá, porque trazem um tanto de realismo ao cenário proposto, que tem um tom quase de poesia no texto e que tem atuações mais extracotidianas do restante do elenco. Desta maneira, Movimentos Migratórios é quase um exemplar neorealista.
O urbano soteropolitano, misturado com as atuações um pouco mais exageradas dos coadjuvantes e serena do ator principal, com uma trama que fala sobre a dureza de não ser nativo e a suavidade das pequenas relações do humano com a natureza convocam um cenário repleto de profundidade. Esta é uma obra que investiga a sociedade, com um olhar particular e sonhador, mas com consciência da dureza da vida também.
Direção: Rogério Cathalá
Elenco: Arturo Campos Begazo, Bertrand Duarte, Cibele Mariana