A Última Primavera

28º FAM: A Última Primavera

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Alguns filmes parecem existir apenas para nos irritar. Diante do narcisismo humano, tomamos aquelas imagens e sons na tela como uma ofensa pessoal. Ao mesmo tempo, para além dos gostos individuais, se é sabido que o cinema cumpre uma função social, independentemente de seu gênero, estilo, país, equipe etc. Em A Última Primavera o espectador se depara com um afronte ao corpo e mente dos idosos. É tão inacreditável que em 2024 exista um curta-metragem que reproduz uma imagem ultrapassada de pessoas mais velhas. Para começar, existe a composição física dos corpos do elenco.

A produção se passa em uma casa de repouso e, nela, todos os idosos contam com questões de locomoção e/ou saúde mental. Desta maneira, o público enfreta quinze minutos de indivíduos 60+ com muita debilidade, quase sem noção alguma de tempo e espaço, com gestuais que lembram fisicalizações de vovôs e vovós dos piores teatros infatis amadores do país. Este elemento é curioso porque a obra parece justamente querer criticar o abandono das famílias e o esquecimento da sociedade de que os mais velhos ainda fazem parte da coletividade.

No entanto, para realizar tal intento, toda a equipe reforça, justamente, estes estereótipos, que distanciam a velhice da humanidade e retiram o poder de agenciamento de idosos. As direções de arte e fotografia reforçam essa melancolia monocórdica, que abandona qualquer camada para além do já reiterado desde os primeiros minutos de projeção. Os tons são pasteis e luz é chapada, quase todo tempo – só não o é na última sequência, que é uma virada interessante, porém pouco explorada.

Em aspectos sonoros, a música reforça o que está sendo exibido na tela. É a tristeza da velhice que o curta quer, a todo momento, ressaltar. O desenho de som e a direção geral são bem relizados, é preciso dizer. É nesse ponto que o público pode até se comover e se interessar pela história. A câmera está majoritariamente parada, os objetos de cena preenchem o ambiente de forma sufocante, com pequenos sons, que ecoam e elevam a sensação de solidão. Mas, a partir deste cenário, o que é A Última Primavera afinal?

Ela foi abandonada, porém quem assiste não sabe quem ela é, nem em texto falado, nem em imagens. Neste conjuto de inserções razas, Rosa e seus companheiros de lar são apenas aquilo que o mundo quer esbravejar – e que essa que vos escreve se recusa a acreditar -, todo tempo, em cada produto midiático, café da manhã, passeio etc.: a velhice é abandono, doença e fraqueza. Este título pode servir de exemplo para tudo o que é necessário ser refeito de imaginário sobre idosos.

Este ano, Josh Margolin lança o seu longa-metragem Thelma, com June Squibb no papel principal. Sugiro que quem está lendo este texto veja o filme. Lá sim é possível encontrar personagens profundas, desenvolvimento de narrativa e com uma ideia similar ao curta de Michelly Hadassa, mas sem explorar somente um mesmo tom. Claro, este é só um exemplo. Contudo, o que esta crítica de A Última Primavera, já um tanto prolixa e passional demais, deseja tratar é que preciso, é urgente, que se vejam as partes minoritárias da sociedade com olhares mais plurais.

Quem sobreviver a este planeta colapsado, completará suas mais longíquas primaveras e pode apostar que nenhuma destes indivíduos gostará de se ver de maneira planificada e tão repetida por seus familiares. É importante falar de tudo na velhice, inclusive sobre amor, sexualidade, diversão, recomeços e tantas outros enredos possíveis.

Direção: Michelly Hadassa

Elenco: Nenê Borges, Edilberto Brito, Cris Fabi