Carvão

Crítica: Carvão

3.5

Carvão de Carolina Markowicz traz para o público uma realidade brasileira que talvez seja conhecida por poucos. No interior do Brasil, algumas famílias escondem criminosos em suas casas, usando a condição debilitada dos entes idosos desses lares como estratégia para manter esses “hóspedes” sob sigilo em um quartinho da habitação. A enfermeira Juracy (a ótima Aline Marta Maia, de Casa de Antiguidades) enxerga em Irene (Maeve Jinkings, de O Som ao Redor) alguém com potencial para aceitar esse tipo de negócio, já que diante de um pai bastante adoentado ela aceita o conselho da mulher, dar um fim ao sofrimento do patriarca.

Logo nos primeiros minutos de Carvão, Markowicz dá indícios de que esta é uma história indigesta, uma realidade áspera o suficiente. O contexto apresentado pela história impõe a seus personagens a melancolia já que nenhum deles consegue se libertar dos seus gatilhos de infelicidade. Nenhum dos personagens de Carvão leva a vida que sonham e julgam merecer e parecem enredados por uma realidade onde não há alternativas, promessas de redenção.

A protagonista interpretada com organicidade por Maeve Jinkings é uma mulher esgotada pela vida e pelas demandas dos homens com quem se relaciona. Nenhum deles reconhecem seus esforços ou a recompensam por qualquer via, afetiva ou sexualmente. Irene vive um casamento de fachada com um marido que é homossexual e que compensa sua frustração pela repressão da sua sexualidade com a bebida. A situação evidencia a neurose que se instala naquele lar fragmentado, chamado de “hospício” pelo “hóspede” argentino, cujos cacos são fragilmente sustentados por instituições como a igreja, sutilmente presente ao longo da história, mas sempre de forma muito enfática. A canção “Noites traiçoeiras” interpretada por Padre Marcelo Rossi sugere insistentemente no decorrer da história a promessa de abonança após uma escalada de infortúnios. Ironicamente, a previsão da canção nunca é cumprida no filme.

Carvão

Markowicz é muito hábil na costura dessa história, tanto do ponto de vista das construções imagéticas simbolicamente interessantes quanto na maneira como lida com os eventos da história em seu roteiro. A cineasta evita didatismos na narrativa. A entrega de informações sobre aquelas personagens, seus vínculos, motivações e trajetórias sempre encontra uma estratégia nada óbvia de apresentação nas mãos da diretora e roteirista. Ao mesmo tempo, é uma direção que extrai desempenhos muito naturais do seu elenco. Maeve Jinkings é o grande destaque da obra, mas merecem menções a atuação de Rômulo Braga como seu marido, César Bordón como o traficante argentino, o garoto Jean de Almeida Costa, o filho do casal, e de Aline Marta Maia, a enfermeira Juracy, que, ironicamente, parece ser sempre a mensageira da tragédia em Carvão.

Carvão segue a tendência da nossa cinematografia de chafurdar os problemas estruturais da sociedade brasileira. É um filme que coloca em evidência sobretudo como nossa realidade sócio-política desumaniza e apresenta rachaduras que se autoalimentam por gerações. Markowicz faz um filme que, apesar do desejo latente de transformação, não dá fôlego para seus personagens se reinventarem, não oferece pontos de fuga ou arcos de redenção e não poderia ser diferente, seria até desonesto da parte da cineasta – com o público e com a obra – “maquiar” uma realidade que escancara de forma tão consistente.

Direção: Carolina Markowicz

Elenco: Maeve Jinkings, César Bordón, Rômulo Braga

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