Crítica: Casa Grande

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Primeiro amor: Em meio a crise financeira da família, Jean se apaixona por Luiza.

 

Reduzido pelo grande público aos filmes que chegam no circuito comercial pelas mãos da Globo Filmes, o cinema produzido aqui no Brasil tem lançado verdadeiras pérolas da nossa cinematografia que ainda precisam ser descobertas e sair do nicho restrito do público especializado composto por cinéfilos e críticos. Não que as produções com o selo Globo Filmes mereçam a hostilidade do público ou o seu boicote, mas a pluralidade de propostas cinematográficas e a dissolução de monopólios produtivos e de distribuição são pontos positivos para a evolução de qualquer cinematografia. Nos últimos anos, nosso país foi responsável por obras de relevância pontual que acrescentaram e muito tecnicamente e que alinharam problemas nacionais e globais com a sua ordem de preocupações temáticas. Filmes como O Som ao RedorO Lobo atrás da Porta e este Casa Grande não são apenas – como se isso fosse pouco -, exemplares apurados no manuseio de uma gramática cinematográfica, mas também são filmes que deveriam ser encarados como pontos de referência para as gerações de cineasta do presente e do futuro.

Ambientado no Rio de Janeiro contemporâneo, Casa Grande traz a história de uma família rica que perde todas as suas regalias com a queda financeira do seu patriarca. Nessa mudança de vida, por exemplo, as rotinas de consumo são modificadas e o quadro de empregados é diminuído. Enquanto Sônia e Hugo tentam de todas as formas manter o padrão de vida que sempre tiveram, seu filho mais velho Jean está alheio à toda a crise familiar pela super-proteção do casal. Prestes a decidir o seu futuro profissional, Jean só pensa em Luiza, garota de classe social diferente da sua que conhece no trajeto da escola para a sua casa e que começa a namorar. Esta relação vai deflagrar uma crise familiar que fará Jean amadurecer e pensar sobre quem ele é e quem ele pretende ser.

 

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Decadência: Hugo (Marcello Novaes) e Sônia (Suzana Pires) tentam manter as aparências apesar dos problemas.

 

Um dos grandes méritos de Casa Grande é conseguir ser um cinema sofisticado sem perder a simplicidade e o diálogo com a sua plateia. Assim, no lugar de um realizador preocupado única e exclusivamente com o seu ego e em fazer-se “compreensível” somente a si mesmo, vemos em Casa Grande um Fellipe Barbosa que preenche o seu tempo de projeção com planos elegantes e e com a utilização de recursos audiovisuais em prol da sua história, o esgarçamento das possibilidades técnicas e estilísticas alinhados com a narração de uma história. Nesse sentido, ao mesmo tempo que o filme traz uma interessante abertura, marcada por uma câmera estática que observa a casa dos protagonistas enquanto a ação corriqueira de apagar as luzes de todos os cômodos ocorre, vemos os conflitos amorosos do protagonista com a namorada e a empregada doméstica ganhar empatia imediata com o espectados. Esse equilíbrio mantido por Barbosa do início ao fim torna Casa Grande um longa acessível às plateias com os mais diversificados repertórios cinematográficos sem perder a sua elegância e pertinência enquanto obra cinematográfica.

Barbosa conta com o jovem Thales Cavalcanti como a figura central da sua história ao assumir com sensibilidade a composição de Jean, o protagonista de Casa Grande. Cavalcanti interpreta um adolescente cheio de dúvidas sobre a vida, um cenário de incertezas ainda mais acentuado pela super-proteção de seus pais. Quando a família começa a ter o seu padrão de vida alterado, Jean, que nunca teve que se preocupar com dinheiro, fica ainda mais inseguro sobre quem ele é e sobre o seu futuro fazendo o seu universo colidir com o de seus pais, que depositam nele a esperança de manter a situação financeira e social da família. Thales Cavalcanti faz Jean se perder em meio a todos os seus conflitos afetivos e geracionais e iniciar um processo de reconstrução e amadurecimento no decorrer do longa. O jovem ator contracena com Marcello Novaes e Suzana Pires, intérpretes dos pais do seu personagem. Novaes faz de Hugo uma figura rígida e burocrática na convivência familiar, características que encobrem a insegura e imobilidade do patriarca diante dos problemas financeiros. Em contrapartida, Pires faz de Sônia uma mulher que cria no espectador sentimentos ambíguos de afeto e piedade, já que apresenta-se como uma figura bem mais proativa que o esposo, contudo alheia a uma realidade que nunca quis ter contato, situação que a fragiliza ainda mais em situações limítrofes.

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Rito de passagem: Momento de instabilidade familiar impulsiona despertar e amadurecimento do protagonista.

 

A decadência financeira desses personagens é acompanhada por um clima melancólico que toma conta do filme na medida em que eles tentam a todo custo se agarrar nas certezas de um projeto de vida que se revela completamente oco. E não seria exatamente esse o momento pelo qual estamos passando? Grupos que antes tinham níveis de vida precários e estão conseguindo, ainda que com muita dificuldade, melhorar o padrão de vida, enquanto outros que tinham seus privilégios tem que ajustar as suas rotinas em função de uma nova ordem social que se instaura. No meio das tensões sociais causadas por esse câmbio classista uma nova geração representada aqui pelo adolescente Jean, jovens que tentam entender o seu lugar e as relações que vivenciaram no passado, àquelas que os cercam no presente e que tipo de postura devem assumir no futuro.