Há 20 anos, o espectador conheceu os encantos fenomenais do longa-metragem Beleza Americana. Dirigido por Sam Mendes, o filme conquistou o universo da sétima arte de maneira contundente. American Beauty (título original) é, até hoje, uma referência em criatividade, plasticidade, performances e muito mais. Com toda a sua pompa artística e força narrativa, o longa examina a jornada medíocre e infeliz do sonho americano e expõe as feridas desse padrão nacionalista de vida.
A trama se estabelece através de um olhar mais próximo sobre a realidade de uma típica família americana. Lester (Kevin Spacey) é o patriarca que vive o american way of life – uma vida com empregos estáveis, filhos, carros e uma casa bonita no subúrbio. O que está escondido por trás dessa pseudo felicidade é a insatisfação do pai com tudo que o rodeia. Ele detesta o emprego, não ama mais sua esposa Carolyn (Annette Bening) e é completamente ausente e distante de sua filha Jane (Thora Birch). A vida pacata do senhor Burnham muda quando ele conhece a jovem Angela Hayes (Mena Suvari), amiga de Jane. A partir daí, Lester passará a viver sob um novo lema o qual levará a sua vida – e a de todos os que o cercam – à uma reviravolta inimaginável.
Atualmente conhecido pelos últimos trabalhos sobre o agente 007 (Skyfall, de 2012, e Spectre, de 2015), Sam Mendes teve sua carreira cinematográfica iniciada com o que viria a ser sua obra-prima. Em 1998, a Dreamworks decidiu contratar Mendes graças ao seu admirável trabalho como diretor teatral. Ele foi a mente que deu vida ao deslumbrante vencedor do Oscar de 2000. Sua teatralidade estética e poética para o filme exala em cada cena e fez do seu primeiro projeto algo inesquecível. Beleza Americana foi líder das maiores premiações do cinema. Mesmo tendo sido desacreditado antes dos primeiros resultados de premiações, a produção ganhou um total de cinco estatuetas do Oscar, três do Screen Actors Guild Award (SAG Award) e três do Globos de Ouro. Hoje, consagrado pelo público e crítica, o filme é uma obra fundamental para o cinema e ajudou a louvar grande parte dos seus colaboradores, a exemplo do diretor.
Um homem comum que não tinha nada a perder percebe que a fórmula para a felicidade enlatada não passava de uma farsa. Após a descoberta, ele decide mudar seu comportamento por completo. Resumidamente, essa foi a forma pela qual Alan Ball, ao escrever o enredo de American Beauty, escancarou para o mundo a farsa que há no ideal familiar suburbano dos americanos. O filme é uma clara crítica aos costumes do início ao fim. Tudo começa pelo seu título que foi genialmente escolhido para fazer com que o espectador relacione-o com um tipo de rosa de mesmo nome. O paralelo é criado a partir da flor porque ela personifica as famílias estadunidenses. As rosas american beauty são belíssimas por fora, porém não tem cheiro nem espinhos, tornando-as falsas e vazias. Ou seja, as famílias do subúrbio estadunidenses são belas, sorridentes e felizes por fora, mas completamente vazias e incompletas por dentro.
Para compor os outros símbolos da produção, Mendes remonta perfeitamente a vida da classe média americana e seus padrões. Dessa forma, o diretor comprova a inversão problemática e vazia que o american way of life resulta. A esposa infeliz que perdeu a sensibilidade pelos prazeres e alegrias da vida; a filha incompreendida e revoltada; os típicos empregos estáveis que não trazem alegria alguma às vidas de Lester e Carolyn. Esses fatores são inseridos através de um trabalho de direção fotográfica espetacular que rendeu à Conrad Hall o Oscar de Melhor Fotografia (também indicado anteriormente por O Dia do Gafanhoto, de 1975, e Conspiração Tequila, de 1988). A estética cenográfica de Beleza Americana – comandada pela diretora de arte Naomi Shohan – é outro alicerce que incorpora a trama de Ball em vários momentos existencialistas do filme.
O elenco escolhido para encarnar o vazio existencial da american beauty é a peça que conclui com perfeição o quebra-cabeça desta joia da sétima arte. A dinâmica de cena entre as personagens centrais da trama mostra a qualidade técnica de todos os escolhidos para dar a essas figuras. O Coronel Frank Flitts (Chris Cooper) e seu comovente segredo; o amor psicológico entre Jane e Rick Flitts (Wes Bentley); a dualidade da personagem de Mena Suvari; as discussões intensas entre o casal vivido por Kevin Spacey e Annette Bening, etc. Cada uma dessas cenas faz do filme algo fora do comum. É admirável e evidente a qualidade artística do casal principal – fator que os fez ganhar diversos prêmios por seus personagens, incluindo a vitória de Spacey e a indicação de Annette ao Oscar.
O conjunto de execuções minuciosas e extraordinárias fez com que a estreia de Mendes no cinema merecesse o Oscar de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia, entre outras três indicações na premiação. No total, Beleza Americana fechou seu circuito de competições com nada menos que 89 vitórias dentre as 160 indicações recebidas. Hoje, vinte anos após sua glória, o filme ainda vive no hall da fama por inaugurar uma era onde a crítica escancarada ao mito da perfeição humana passa a ser um tema amplamente comum. Além disso, o longa reforça uma cultura estética da simbologia por trás da imagem com originalidade invejável e atuações que são, até hoje, aplaudidas de pé.
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