Após dois filmes instaurando todos os mistérios a cerca do universo amaldiçoado de Shadyside, a Netflix lança a parte final da trilogia Rua do Medo, com Rua do Medo: 1666 – Parte 3. É curioso observar aqui como foram evocadas duas narrativas distintas. A primeira é onde são revelados os acontecimentos da vida pregressa da suposta bruxa Sarah Fier, em 1666. A segunda é o retorno para o ano de 1994 e toda a conclusão da história. É possível elaborar dois pontos de vistas para argumentar sobre o filme.
Uma questão forte é esta duplicação de enredo que acaba por trazer dois longas bem diferentes. Se em 1666 encontra-se uma trama coesa, com ritmo e progressão, bem como uma boa apresentação de personagens e desenvolvimento delas, em Rua do Medo: 1994 – Parte I, tudo parece corrido e apressado para dar conta de finalizar a obra. Desta maneira, há um resultado irregular e é complicado avaliar a produção negativamente por sua qualidade técnica e discursiva presentes na metade um. Todavia, é inegável a queda qualitativa a partir do retorno para os anos 1990.
No entanto, é apropriado ressaltar alguns elementos bem realizados. A coesão do elenco é um delas. A forma como os intérpretes, que apareceram nas sequências anteriores, criam novos papéis, trazendo novas personalidades e características marcantes, é bastante forte. Toda a construção para contar quem eram aquelas figuras, fundadoras de Shadyside, e como elas seriam peças fundamentais para toda a realidade da cidade posteriormente é significativa, pois os textos são ditos com entonações que pontuam momentos cruciais, sem deixar as cenas artificiais. Além disso, alguns traços de suas personagens anteriormente permanecem, o que mantém a empatia criada pelo público.
Outro fator importante é a parte técnica, vista no período de 1666. A decupagem fomenta os elementos de tensão, sobretudo por esta terceira parte ser menos sanguinolenta e quase sem jumpscares. A fotografia combinada com a arte e a direção tornam o ambiente soturno e perturbador, através de cores azuladas, do trabalho com sombras e a caracterização das personagens. O jogo entre quem parece externamente sujo e limpo fomenta a complexidade das situações e do olhar do espectador para aqueles habitantes do vilarejo misterioso. Por fim, ainda, existe algo ainda mais impressionante aqui.
A escolha da trajetória e morte de Sarah Fier é um grande impacto não apenas para o gênero terror como para o cinema como um todo. Além da representatividade impressa em 1994 e 1978 – seja pela protagonista sáfica, pelo ship central ser LGBTQIAP+, pelas personagens negras em destaque ou pelas mulheres fortes que assumem todo o desenvolvimento narrativo etc –, em 1666 a decisão de trazer como vilão um homem branco que, no auge de seus privilégios, se livra da culpa pelo pacto do diabo e faz uma garota lésbica morrer enforcada é, sem dúvidas um plot twist que apresenta consigo uma mensagem intensa.
O reforço disto vem com a sua conclusão, no qual o bem vence o mal, criando uma atmosfera utópica e esperançosa para se pensar os rumos da sociedade. Há uma discussão, tanto na academia, como na cinefilia e nos espaços artísticos e culturais, sobre o universo das artes, sobre se a vida a imita ou vice-versa. Contudo, independentemente da resposta para esse dilema, ver novos caminhos – um tanto mais condizentes com a realidade, inclusive – é um respiro e um ato que merece ser repetido, principalmente quando se analisa como o fim de mulheres sáficas em obras audiovisuais tendem a ser trágicos e infelizes.
Desta forma, é uma pena que Rua do Medo: 1666 – Parte 3 não consiga segurar o rojão da sua virada em seu regresso para 1994 e possua tanta pressa para contar tudo de uma vez. Em sua ambição em percorrer diversas épocas, faltou nele amarrar mais apropriadamente seu desenlace, para que o encerramento fosse menos abrupto. No entanto, ele e toda sua franquia merecem ser assistidos, seja pelas homenagens ao terror, pelas seleções progressistas ou, meramente, por ser divertido, no final das contas.
Direção: Leigh Janiak
Elenco: Kiana Madeira, Olivia Scott Welch, Gillian Jacobs
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