O que fazer quando a mente começa a falhar e a dúvida sobre a realidade passa a ser intensa? A partir da perda da lucidez, Anthony (Anthony Hopkins, Dois Papas) começa a se sentir completamente perdido no tempo e espaço, principalmente em relação aos eventos atuais e passados e sobre os sentimentos que a sua família tem por ele. É com esta premissa que Meu Pai se desenvolve. O longa chega nas plataformas digitais Now, Itunes (Apple TV) e Google Play, disponível para compra, a partir do dia 09 de abril. Baseado na peça francesa Le Père, de Florian Zeller (O Que Eu Fiz Para Merecer Isso), aqui, vê-se o autor da obra também na cadeira da direção. Para contar esta história são criadas estratégias eficientes, que fazem com que o espectador se sinta imerso dentro da perspectiva do protagonista.
Enquanto as situações de outrora e do presente parecem confusas para Anthony, elas são entregues da mesma maneira para o público. Elipses temporais e momentos deslocados são evocados na tela. A montagem é certeira ao deixar que as sequências se tornem tão fluidas ao ponto de soarem como uma grande cena única, mas também repleta de fragmentos de memória. Um exemplo é a cena do jantar, quando Anthony chega à sala e escuta uma conversa de sua filha Anne (Olivia Colman, A Favorita) e o marido dela, Paul (Rufus Sewell, Judy – Muito Além do Arco-Íris).
A ordem cronológica dos acontecimentos é desconstruída e a junção das sequências fomenta esta sensação de Anthony. Isto vem juntamente com outro recurso valioso dentro da narrativa. Com o uso das repetições, sejam elas quase idênticas ou com algumas modificações, os diálogos e movimentações dos intérpretes vão ganhando, cada vez mais, sentidos mais complexos e profundos. Há esta perda da conexão com o presente, sofrida por Anthony, e ela é sentida mais fortemente por quem assiste, como se, paulatinamente, a ausência de saída ficasse estabelecida.
É como se existisse uma revelação das emoções e fluxo de pensamentos de Anthony, mas também uma justificativa para as ações finais de Anne, que fica sem ideias palpáveis para auxiliar o seu pai. A produção imprime, assim, as capacidades e perigos da mente humana, mas, além disso, deixa transparecer como as marcas deixadas pelas relações, presenças e partidas, ainda que tudo esteja fragmentado e desarticulado, são impactantes para as pessoas, mesmo quando tudo se esvai, estes elementos ficam.
No meio deste discurso, impresso sutil e progressivamente, a decupagem mostra como a direção deseja ser pontual e cuidadosa ao efetuar qualquer tipo de movimentação de câmera. Em ocasiões específicas, são utilizados travellings ou zooms. Geralmente, eles aparecem nos ápices dos conflitos internos e externos de Anthony ou de Anne. Nas incertezas e hesitações, o movimento chega como um respiro de demasia inseguranças da dupla.
Quanto mais os dois se distanciam, pela própria condição do pai, mais os zooms são recorrentes. Anne procura se reconectar com ele, porém vai desconhecendo a figura que está ao seu lado. A mágoa e a insatisfação das personagens são ainda mais tangíveis pelas atuações de Colman e Hopkins. Em seu Anthony, que guarda rancor e certo teor de agressividade, Hopkins constrói o seu papel nos detalhes. Seja nos olhares perdidos ou nas relações táteis com objetos físicos, é preciso observar atentamente o ecrã para conseguir capturar todo o seu trabalho.
O ator mescla fragilidade, angústia e pavor através de tensionamentos e relaxamentos do corpo. As pausas do texto falado e dos gestos são outras ferramentas que elevam a potência do que ele deseja passar. O abandono da razão se configura mais fortemente quando ele evoca esta junção de frases ditas lentamente, enquanto ele se apoia em algum objeto de cena e seus olhos não focam em ninguém da contracena, mas no infinito.
Já Colman é um tanto menos expansiva e escolhe ir para um caminho um pouco mais minimalista. Com uma quantidade de deslocamentos reduzida, a base de Olivia Colman aqui é a elaboração de um corpo cansado e pesado, misturado com os olhares de incredulidade. A sua Anne apresenta um desespero contido e as micro expressões faciais ajudam a passar esta ideia de busca incessante pela quebra deste aprisionamento que Anne vive e seu desejo constante de reencontrar o seu pai que, ainda que esteja presente fisicamente, parece ter desvanecido.
Desta maneira, no geral, pode-se dizer que Meu Pai é um filme inventivo, que insere o espectador na lógica de seu protagonista com eficiência. Ao invés das sensações serem ouvidas, narradas ou vistas de fora, elas são sentidas diretamente, através de uma junção descolada de eventos, emoções e participações.
Direção: Florian Zeller
Elenco: Anthony Hopkins, Olivia Colman, Rufus Sewell, Imogen Poots, Mark Gatiss
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