Era uma Vez um Sonho

Crítica: Era uma Vez um Sonho

1.5

Baseado no livro de J.D. Vance, Era uma Vez um Sonho: A História de uma Família da Classe Operária e da Crise da Sociedade Americana, o novo filme da Netflix é sofrível. Retratando a típica família branca, integrante da classe de trabalhadores dos Estados Unidos, o longa parece desejar mostrar sofrimentos, lutas e conquistas destas personagens tão tipicamente “americanas”.

Além da antipatia causada de cara pelos estereótipos de pessoas desta região, a produção falha em construir uma narrativa firme. A grande questão aqui é que a escolha em não seguir a cronologia de fatos, atrapalha no estabelecimento da trama e da conexão com a história. Antes mesmo que o espectador possa adentrar naquela atmosfera, momentos de peso dramático – aqui, no sentido do gênero – são colocados na tela, como na cena do enterro do avô de J.D.

Não há nem como falar em progressão quando não se tem construção alguma. Os erros aqui são, de fato, do roteiro, que tenta ser audacioso, misturando temporalidades e emoções do protagonista. Contudo, ele não só traz um enredo embolado e que distancia o espectador, mas interfere nos outros trabalhos dentro do longa. A começar pelas atuações. A possibilidade de se conectar com as construções dos intérpretes é destruída, quando o tom das cenas não condizem com o tempo de projeção.

Assim, a sensação que fica é a de que um exagero habita as atuações. Mesmo sendo notável o esforço de Glenn Close (A Esposa) e Amy Adams (Vice), a organicidade escapa delas, justamente porque as motivações são turvas. A representação toma conta de suas criações, o que reitera o afastamento de quem assiste. Alguns truques também se tornam repetitivos, enquanto a exibição avança. Parece que as duas estão mais tentando reproduzir as figuras da vida real do que passar as emoções que as cenas pedem.

Era uma Vez um Sonho

Ainda assim, Close e Adams são um bálsamo neste contexto. As suas interações com o jovem ator Owen Asztalos (Paterson) também fazem a obra crescer e render. Inclusive, existe uma pequena crescente no final do segundo ato da produção, quando as contracenas entre Close e Asztalos são mais recorrentes. Há algo de genuíno ali e isto vem também da direção de Ron Howard (Inferno), que demonstra certo cuidado em seu olhar. Seja na decupagem ou na mise-en-scène, os espaços e as movimentações revelam essa conexão de J.D. com a sua avó e as marcas de seus cotidianos, cheios de altos e baixos.

Contudo, o trabalho de Howard não vai muito longe. Não há nada de inventivo. Não que isto seja um problema, mas o cineasta se põe em um lugar confortável de imprimir uma técnica formulaica, com toques de pieguismos. Planos fechados em cenas de crianças que sofrem, foco e desfoco em momentos em que há um desejo forte em revelar a dor daquelas personagens que ele precisa mostrar ambos ao mesmo tempo, estes são alguns exemplos do que Howard faz para tocar e acaba gerando tédio.

A vontade de Era Uma Vez um Sonho é de emocionar e trazer um enredo de superação. O que ele entrega é uma grande colagem de esquetes sem costura, onde problemas sérios da sociedade – como a dependência química – são colocados aleatoriamente, sem humanização, sem contar quem são aqueles indivíduos, além de seus percalços. A cereja do bolo é um discurso sobre superação, sem mencionar por um segundo todos os privilégios de J.D. Vence, sendo que ele é, na sociedade em que vive.

Se no livro não existe uma visão crítica sobre Vence o mínimo que se poderia fazer aqui era uma adaptação mais distanciada e crítica. Algo que passa longe de acontecer e, pior, de ser ser bem realizado. Talvez, uma boa ideia teria sido avaliar a sua realização, em primeiro lugar. Principalmente, pelo fato da quantidade de controvérsia que Vence trouxe, em 2016, no período de eleições presidenciais, pelo o que ele diz e representa. No final das contas, é melhor pensar que existem muitos filmes que merecem ser vistos e escolher assisti-los ao invés de gastar quase duas horas com Era uma Vez um Sonho.

Direção: Ron Howard

Elenco: Amy Adams, Glenn Close, Owen Asztalos, Gabriel Basso, Haley Bennett, Freida Pinto, Bo Hopkins, Sunny Mabrey

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