Uma das histórias mais famosas do cinema hollywoodiano, Titanic está de volta aos cinemas, em 4K e 3D, por conta da comemoração dos 25 anos de sua estreia original. Mas, o que pode ser dito, em 2023, sobre uma produção que bateu tantos recordes – como na sua vitória de 11 Oscar ou em seu terceiro lugar como maior bilheteria de todos os tempos, após o seu relançamento? Talvez, a melhor alternativa seja dar alguns passos para trás e tentar olhar para o longa-metragem sob uma perspectiva “comum”, não pensando nele tanto como um hit.
Todavia, é preciso salientar neste texto que esta crítica que vos escreve chegou a número 90 de vezes assistidas. Sim, é uma fã que está escrevendo aqui! No entanto, a recepção de uma produção sempre pode mudar com o tempo e com as novas experiências, que são sempre adquiridas. Um exemplo que ilustra esta redescoberta, após quase 100 sessões do mesmo título, é a sensação de que os protagonistas são muito jovens, enquanto os outros que o cercam são mais velhos, mas cobram atitudes demasiadamente maduras deles.
Aos 31 anos – e não mais aos 06 anos de idade – fica mais que compreensível todo o comportamento do casal central e como eles são postos na narrativa: tão inconsequentes, impulsivos e com uma rebeldia juvenil aflorada. Inclusive, esta é uma das mágicas do roteiro e da direção de James Cameron (Exterminador do Futuro). A criação de empatia com o casal Rose Dewitt Bukater (Kate Winslet, A Despedida) e Jack Dawson (Leonardo Di Caprio, Não Olhe Para Cima) move e emociona o espectador, deixando que as mais de 3 horas de exibição ocorram de maneira fluida e veloz.
Dentro desta estratégia de fazer o que Cameron chama “colocar Romeu e Julieta dentro do navio”, há também o fato de que é possível acompanhar cada detalhe sobre a jornada do Titanic, desde a sua saída da Inglaterra, passando por toda a tragédia do naufrágio, até o resgate das vítimas. É inteligente como James consegue amarrar a trama principal com suas subtramas fictícias e, ao mesmo tempo, informa o seu público sobre os fatos ocorridos entre 10 e 14 de abril de 1912, com o máximo de veracidade.
É por isso que, dentro deste universo de plots e subplots, o que mais chama a atenção é o quanto James Cameron consegue trazer sensações, contexto e subtexto sobre a jornada dos coadjuvantes, com pouco texto falado, investindo no poder da imagem e da sugestão. Para quem assistiu Titanic poucas vezes, talvez, certos frames passem despercebidos, mas a aproximação com o enredo e as vítimas deste acidente acontece porque o público já viu cenas com aquelas figuras anteriormente e criou uma espécie de conexão com elas.
São vários exemplos desta lógica de Cameron, alguns deles são: a menina Cora (Alex Owens-Sarno), que aparece no início da projeção ao lado do pai e depois na sequência da festa da terceira classe – inclusive, existem uma cena deletada, na qual o final triste da menina é contado -, o jovem Fang Lang (Van Ling), um passageiro real, que sobreviveu ficando em cima de uma porta ou Charles Joughin (Liam Tuohy), cozinheiro que sobreviveu ao ingerir uma quantidade absurda de álcool e que também é inspirado na realidade. Estas personagens ficam no consciente ou no subconsciente e a narrativa faz com que o público torça por elas e sofra por elas também.
Desta forma, uma conexão com a história é estabelecida de uma maneira abrangente, fazendo com que seja criada uma imersão com o longa. Isto é, sem dúvidas, um mérito do trabalho de Cameron. O diretor, além de ter pensando nos detalhes que mesclavam a realidade com o teor ficcional dentro do seu roteiro, elaborou a sua decupagem de forma cuidadosa, pois ela está sempre à serviço da narrativa e possui este preciosismo em revelar em múltiplas camadas o contexto vivenciado dentro do navio.
Ao lado de seu fotógrafo Russell Carpenter (True Lies), James Cameron cria quadros que imprimem o estado emocional das personagens e o seus pensamentos, através de questões como as temperaturas e os destaques colocados nas seleções de planos. Algo que talvez soe óbvio para quem já assistiu Titanic diversas vezes, porém que marca fortemente as três ambientações do filme – tempos “atuais” (1996), pré-naufrágio e naufrágio – são as tonalidades quentes e frias, que compõe estados de melancolia/nostalgia, vida, morte/tragédia.
Na verdade, estas escolhas de iluminação e cor renderiam artigos e análises profundas, mas nesta crítica cabe dizer que a composição criativa de Cameron e Carpenter é ampliada através do trabalho da equipe de arte. O setor conta com mais de vinte integrantes e diversos chefes de departamento, mas o que importa ressaltar aqui é que as texturas, tons, colocações etc dos figurinos, dos cenários e da maquiagem fomentam os sentidos e ampliam as interpretações do público. Para além dos detalhes de recomposição da época e do próprio navio, que são bastante apurados, os objetos cênicos cumprem bem os seus propósitos narrativos.
Um exemplo simples disto é o fato de Rose ir perdendo elementos de suas vestes, mostrando a libertação progressiva da personagem, que inicia sua jornada com chapéu, penteados bem presos, luvas, vestido apertado, com cores mais fechadas (como vinho e azul marinho). Contudo, antes do navio afundar, quando Rose decide ficar com Jack, ela está utilizando um vestido leve e de cores pastel, com os cabelos soltos. São nestas particularidades que Titanic se revela uma obra meticulosa, na qual o real se mistura com a ficção.
Através de relatos de passageiros, documentações do passado e da imaginação de James Cameron, o mundo ganhou um longa que continua fazendo sentido e engajando quem assiste. Já faz 25 anos e este segue sendo um filme impactante, o que revela sua qualidade técnica. Para alguns, não apenas o Titanic era o navio dos sonhos, como o filme sobre ele pode também o ter sido. Para esta que vos fala, ele foi, ele realmente foi…E sempre será.
Direção: James Cameron
Elenco: Kate Winslet, Leonardo Di Caprio, Gloria Stuart, Billy Zane, Kathy Bates, Frances Fisher, Bill Paxton, Bernard Hill
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