Querido Menino

Crítica: Querido Menino

Uma das propriedades do cinema é a sua capacidade de moldar um determinado assunto de acordo com a produção. A sétima arte vive uma constante fabricação de realidades infindáveis e distintas. A possibilidade de criar universos contrastantes faz do cinema uma poderosa arma. Filmes podem incentivar e manter guerras – como foi amplamente feito nas décadas de 1930 e 1970, por exemplo –, denunciar problemas sociais, explicar acontecimentos e até mesmo fazer o espectador repensar alguma temática. Esse último exemplo é um cinema cujo objetivo pode ser louvável. Preconceitos, conceitos e paradigmas são refutados através de intensas produções, onde tudo vai depender do olhar que o diretor, roteirista, produtor e/ou estúdio querem dar.

Tabus sociais são discutidos nas telonas a partir de obras sensíveis. Uma nova perspectiva é posta em pauta quando um produto cinematográfico consegue atingir o público em larga escala. O cinema pode dar voz aos calados, força aos esquecidos e compaixão aos marginalizados. A partir desse pensamento, a Amazon Studios decidiu comprar a ideia do projeto cujo tinha como base o livro de memórias de David Sheff e o artigo de Nic Sheff. Assim nasceu um dos projetos mais sinceros e sensíveis sobre dependentes químicos. Assim nasceu Beautiful Boy (título original).

Querido Menino é uma das estreias da semana nos cinemas brasileiros. O longa-metragem traz um olhar cuidadoso sobre uma das temáticas mais tabus da atualidade: drogas. A discussão levantada pelo filme e o olhar da produção sobre o assunto fazem a diferença nessa película. A perfeição do elenco em cena é emocionante e envolvente. A direção de Felix van Groeningen é cuidadosa e só amplia a mensagem de sua nova película. O roteiro mescla momentos de dor e alegria com o objetivo de mostrar uma perspectiva que abraça o dependente e verdadeiramente tenta ajuda-lo. A partir desta quinta-feira (14), o público do Brasil tem a chance de abrir a mente e o coração para entender e ser tocado por essa história real extremamente forte.

O conhecido escritor e jornalista, David Scheff (Steve Carell), se vê perdido ao descobrir que seu filho mais velho, Nic (Timothée Chalamet), é viciado em metanfetamina. Com o conhecimento da situação, a família entra em crise. David passa a refletir sobre a infância do filho enquanto estuda a fundo sobre drogas e as questões da dependência. Já Nic enfrenta os diversos ciclos vividos por dependentes químicos – a abstinência, as reações biológicas pela falta da droga, a recaída, a tentativa de melhora etc. Em meio a esse turbilhão de idas e vindas entre pai e filho, eles dois e todo o restante da família precisarão achar uma forma de lutar com os seus demônios para conseguirem viver as suas vidas.

Querido Menino

Felix van Groeningen (Alabama Monroe, de 2012) retorna as telonas com uma jornada biográfica sensível. A sua primeira produção americana se destaca pela sutileza e atenção ao discurso sobre a dependência de drogas. Querido Menino é uma narrativa acolhedora na qual o espectador vislumbra as dores de cada um dos envolvidos sem discriminar e excluir qualquer pessoa, principalmente o dependente. O trabalho do diretor amplifica esse olhar cuidadoso a partir de cenas cheias de emoção e beleza. As cenas são filmadas de tal forma que o público cria uma identificação imediata a partir dessa aproximação entre imagem, narrativa e realidade. Felix elaborou um diálogo perfeito entre os acontecimentos da trama e a ideia central dela, dando a película a força necessária para fazer com que o espectador reflita sobre a maneira como a sociedade maltrata o dependente e o quanto isso interfere negativamente ao processo de melhora dessa pessoa.

Ao lado de Luke Davies, Felix também assina o roteiro dessa peça delicada sobre afeto. Uma narrativa criada a partir de um olhar sem preconceitos e/ou julgamentos. A adaptação foi feita com base nos relatos das personagens principais da trama, o que ajudou na veracidade do texto. A escolha dos momentos emotivos é perfeita e conduz o espectador para fora da caixa predisposta socialmente sobre a temática. O público sai do lugar comum e e aproxima do sofrimento do outro. É admirável a inteligência do roteiro ao abraçar uma causa e fazer dela verdade para todos os que estão assistindo a essa narrativa. A vida dos Sheff foi cuidadosamente reconstruída para vencer o preconceito.

Toda a força do roteiro é transmitida pelo elenco em cena. Steve Carell está excepcional. O medo, a dor e a incerteza de sua personagem são constantes em suas cenas. A sua presença cênica engrandece a verdade da película e dá força na transmissão de sua mensagem. Timothée Chalamet mostra seu talento em sua melhor performance da carreira. Depois de Call Me By Your Name (2017), o jovem ator ainda consegue surpreender a crítica e o público com a sua desenvoltura como Nic Sheff. Além da mudança física para a personagem, Chalamet impressiona pela maturidade em cena que acompanha Carell. Além dos dois, a produção ainda conta com Maura Tierney e Amy Ryan as quais ajudam a compor essa família desestruturada que luta pela vida de um filho. Um conjunto de artistas perfeitamente escolhido para viver cada um desses papeis.

Beautiful Boy encanta a todos desde a sua estreia no Festival de Toronto. A direção, o roteiro e o elenco trabalham lado a lado para compor uma atmosfera dura e sofrida que, ao mesmo tempo, consegue ser extremamente delicada e atenciosa ao assunto. A descoberta da dependência, os embates entre a família, as recaídas de Nic e todos os outros problemas da trama reforçam a sua verdade. A produção tem o máximo de cuidado em honrar a sua luta contra o preconceito e as memórias das figuras reais que estão sendo retratadas. Todos esses esforços são positivos e alcançam o seu objetivo porque, ao final da sessão, o espectador estará refletindo sobre conceitos como família, afeto e dependência química. Apesar da qualidade do filme e de suas nomeações em algumas premiações, Querido Menino ficou de fora na corrida pelo Oscar.

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