Cinebiografias têm sido um expoente forte nas produções nacionais nos últimos anos. Inevitável pensar no subgênero sem lembrar do feito de Ainda Estou Aqui (2024) e o primeiro Oscar do Brasil, mas essa história vem de muito antes. Nas décadas de história desse tipo de longa-metragem, narrativas sobre cantores, cantoras e bandas sempre foram um ponto alto pelo apelo com o público. Em 2023, por exemplo, o cinema nacional teve uma enxurrada de produções com histórias de grandes nomes da música como em Mamonas Assassinas – O Filme, Nosso Sonho, Meu Sangue Ferve por Você e Meu Nome é Gal. E, nesta quinta-feira (1º), mais uma obra se junta ao hall de artistas da música no cinema com a estreia de Homem com H.
O longa conta as dores, os amores e a magia por trás da vida e carreira de Ney Matogrosso. O cantor, que não apenas está vivo, como participa ativamente da produção, já faz de Homem com H um ponto fora da curva em comparação com a maioria desses filmes. A presença de Ney em todas as etapas de produção fizeram da história algo realista, sensível e místico. A ficção e a realidade vivem um dilema ainda mais tênue no decorrer do longa. Existe uma verdade nas cenas que possivelmente são fruto dessa presença ativa sobre quem o filme se propõe a falar.
A existência de uma dobradinha entre roteiro e direção sempre ajuda a alinhar as visões. No caso de Homem com H, o comando de Esmir Filho (Boca a Boca, de 2020) nas duas principais frentes criativas da produção alinham a palpabilidade do drama com a visão mais fantástica e artística das possibilidades narrativas. Ainda que seja uma cinebiografia de uma pessoa ‘comum’ – entre aspas porque não há nada de comum na voz e presença de palco de Ney -, o filme se permite brincar com uma visualidade mais criativa e fantástica, em certa medida.

Essa visão, ainda que em parceria com a direção de arte de Thales Junqueira (Bacurau, de 2019, e Baby, de 2025), a fotografia de Azul Serra (Senna, de 2024) e a montagem de Germano de Oliveira (O Melhor Amigo, de 2025), não deixam de vir da presença de Esmir. A colaboração entre os departamentos permite que a sua visão saia do papel e ganhe forma. A integração da ideia do cineasta com a composição visual do resultado de Homem com H é encantadora. Seja no real dos momentos mais duros da vida de Ney, no sensível dos seus dramas pessoais ou no fantástico dos amores e de suas performances, o longa entrega um resultado visual verdadeiramente interessante e fora da curva.
Outro acerto do longa é seu elenco. Seja com a sutileza e potência de Hermila Guedes (Cangaço Novo, de 2023) e Rômulo Braga (Maria e o Cangaço, de 2025) como os pais de Ney, ou com a doçura e o fervor de Bruno Montaleone (O Lado Bom de Ser Traída, de 2023) e Jullio Reis (S.O.S. Mulheres ao Mar 2, de 2015) como alguns dos maiores amores do cantor, os intérpretes do filme honram a obra e a história. Tudo isso orbitando a entrega assustadoramente fiel de Jesuíta Barbosa (A Filha do Palhaço, de 2022) ao viver nas telonas a estrela de Homem com H.
Os trejeitos, os olhares penetrantes e a intensidade nos palcos são entregues por Jesuíta em cada uma das semanas desde seus primeiros minutos de filme. Ao longo da sua jornada como Ney, ele parece crescer em cena ao mesmo tempo que seu personagem amadurece como adulto. Talvez Homem com H seja um dos papeis mais interessantes da carreira do ator por colocá-lo numa situação onde a potência, a sutileza e a peculiaridade andam juntos e representam os tantos Neys que existem.
Essa é a magia do filme que tanto encanta o público. Olhamos pelo buraco da fechadura e descobrimos que o Ney Matogrosso dos palcos é apenas um de tantos que ele foi, é e ainda poderá ser. Vislumbrar mais do que o artista em seu ápice do misticismo, mas encarar as feridas abertas da sua alma. Saber das suas perdas e senti-las de perto. Homem com H arrebata em diversos momentos por nos lembrar que por trás do mito e do místico existe uma pessoa de carne, osso, com passado, dores e amores.
Direção: Esmir Filho
Elenco: Jesuíta Barbosa, Hermila Guedes, Rômulo Braga, Bruno Montaleone, Jullio Reis, Mauro Soares, Caroline Abras, Pedro Zurawski e Lara Tremouroux
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