“A testemunha falsa não ficará sem castigo, e aquele que despeja mentiras perecerá (Provérbios 19:9)”. Provavelmente esta frase colada no outdoor que aparece nos dez primeiros minutos de Eli tenha passado desapercebida por muitos. Outra curiosidade que talvez passe batida é que o nome do protagonista significa “elevadíssimo”, de origem hebraica e associado ao deus grego do Sol, Hélio.
Primeiramente, a trama de Eli parece simples. O menino que carrega o título do filme (Charlie Shotwell, Capitão Fantástico) possui uma rara doença autoimune, fazendo ele queimar ao entrar em contato com o ar o Sol — não fica muito claro o que é exatamente. Por isso, sua maior parte da vida é dentro de casa e, quando precisa sair, usa um uniforme quase de astronauta. Entretanto, sua mãe, Rose (Kelly Reilly, Sherlock Holmes), e o pai, Paul (Max Martini, Cinquenta Tons de Cinza), decidem levá-lo para um tratamento alternativo em uma casa isolada com a Dra. Horn (Lili Taylor, A Freira). Assim, à medida que seu tratamento avança, Eli começa a ver coisas bem estranhas.
Certamente, o que salva o longa dirigido por Ciarán Foy (A Entidade 2) de ser mais um terror genérico é a virada surpreendente em seu rumo. Neste sentido, o roteiro coescrito por Chirchirillo, Naing e Goldberg consegue desviar a atenção do espectador eficientemente, apesar das pequenas dicas dadas. De resto, Eli é apenas um exercício de gênero funcional, com seus jumpscares ocasionais e um crescente clima de paranoia. Assim como a criança, o espectador se vê confuso em relação ao que é real ou não, sendo esta ambiguidade marcada principalmente pela misteriosa figura de Haley (Sadie Sink, Stranger Things), que conversa com o rapaz pelo vidro da casa.
Todavia, este mesmo roteiro possui seus altos e baixos no que se refere a sua lógica interna e as construções de personagens. Visto que não entrarei em território de spoilers, cabe apenas dizer que muitas atitudes pretéritas dos pais soam contraditórias uma vez que a narrativa é esclarecida. Além disso, diversas subtramas são flertadas mas jamais assumidas, como a relação conturbada entre Rose e Paul. O diretor Foy tenta ao máximo estabelecer isso de maneira gestual e posicional em sua mise-en-scène, como as mãos que se desentrelaçam e as costas viradas.
Por outro lado, todos os atores estão excelentes em seus papéis. Ainda no início, quando Eli tira o uniforme ao entrar na casa hermeticamente fechada, as emoções dele e da mãe soam genuínas. Tanto a atuação de Shotwell quanto de Reilly passam o peso de como um mísero furo no uniforme do garoto pode ser fatal. Aliás, o ator mirim está excelente, mostrando como é multifacetado, evoluindo de um estado de inocência até a pura loucura. Já a escalação de Max Mardini e Sadie Sink mostram-se um acerto, pois casam perfeitamente nos papéis clichês do pai durão e da garota misteriosa, respectivamente. Similarmente, Lili Taylor abraça o mistério que é a doutora, deixando uma dúvida de suas intenções.
Por fim, Eli tem até algo a dizer sobre excessos no cuidado parental e da negação da ciência pela fé, mas nada muito complexo. Com uma tensão baseada nos típicos sustos de alguma coisa aparecendo no reflexo do espelho, é um terror esquecível. No fundo, o que mantém o espectador até o final do filme é a curiosidade sobre o que de fato está acontecendo naquela casa. Assim, somado as fortes atuações, sua inventividade no roteiro permite que esta produção da Netflix não seja um completo desperdício de tempo. Em um momento do filme, Haley chama Eli de Houdini, pois o garoto gosta de brincar de mágica. E no fundo, o diretor Foy é um grande ilusionista também, fazendo com que você olhe para sua mão direita enquanto seu grande truque está na esquerda.
Direção: Ciarán Foy
Elenco: Charlie Shotwell, Lili Taylor, Max Martini, Sadie Sink, Kelly Reilly
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