A Tragédia de Macbeth

Crítica: A Tragédia de Macbeth (Apple TV+)

4.1

Macbeth é uma das tragédias mais famosas do mundo inteiro. Escrita por William Shakespeare, no período do teatro elisabetano, a peça já foi remontada incontáveis vezes e, obviamente, adaptada para o cinema também. Diretores como Orson Welles (1948), Akira Kurosawa (1957) e Roman Polanski (1971) entregaram as suas intensas versões da obra, no século XX. Agora, é a vez de Joel Coen (Bravura Indômita) – que dirige e roteiriza A Tragédia de Macbeth – trazer a sua visão sobre uma história tão emblemática e forte.

Com tanto peso e vigor que parece sair das páginas de Shakespeare, é curioso observar a leveza que Coen imprime na tela. Em preto e branco e com uma névoa presente quase a projeção inteira, são as personagens e o que elas têm a dizer que ganham destaque aqui.  A direção é assertiva e está ali a serviço dos intérpretes que, com suas caminhadas e gestos meticulosamente marcados, são quem criam a maioria das movimentações. Um exemplo é a sequência na qual Lady Macbeth (Frances McDormand) está no fundo do quadro, em um plano geral.

Enquanto McDormand caminha, é como se o quadro fosse fechando, até ficar em close. Esta estratégia não é nova, porém neste contexto é destacável, pois se trata de uma produção shakesperiana, que consegue, assim, englobar a teatralidade, juntamente com a técnica cinematográfica. Isto porque o foco é o texto e a atuação em cima dele. A câmera de Coen parece observar atentamente as ações filmadas, deixando que a seleção do tamanho dos quadros e que a mise-en-scène sejam pensadas para dar destaque ao que precisa ser mostrado: as emoções das personagens, a sordidez de seus atos e o grau de intimidade que possuem.

Desta maneira, o cenário contribui para fomentar a forma como esta narrativa será transmitida. Existem dois aspectos marcantes neste sentido. O primeiro é o fato da cenografia remeter ao que se é feito em um palco teatral, pois, novamente, direciona o foco para as interpretações e para outras sensações presentes na dramaturgia de Macbeth, como a fragilidade e artificialidade das relações. A segunda é a escolha de se pautar na geometria para pensar todo o espaço cênico.

A lógica da perspectiva joga com a profundidade dos locais, principalmente nas sequências de encontros entre o Macbeth (Denzel Washington) e a Lady. É como se o espectador de A Tragédia de Macbeth conseguisse ir fundo na trama, no que a dupla esconde e planeja a cada ato escuso. Ao mesmo tempo, ao redor deles e todos os coadjuvantes que os cercam, estão as formas geométricas literalmente. Quadrados, retângulos e arcos fazem os sentidos borbulharem na tela e aumentam as possibilidades de construção dos papéis dentro do longa-metragem.

Quem está em posição de fragilidade? E de poder? Quem mente ou quem está cercado? Ao tempo, o recurso também configura a clausura ainda mais intensificada de alguma figura dramática* ou um destaque para ela. Com a razão de aspecto mais restrita (4×3), quando os quadrados surgem no ecrã, eles se sobressaem ainda mais, como na última aparição das três bruxas, num contra-plongée. Macbeth, aqui, já está esmagado por suas ações e quase sem escapatória, ainda que sem notar a proximidade de sua derrota.

A Tragédia de Macbeth

São nestes caminhos que Joel e seu diretor de fotografia, Bruno Delbonnel (Eterno Amor), conseguem ampliar os significados transmitidos no filme. Bruno, ainda, trabalha a iluminação com sagacidade, também investido na investigação dos sentimentos e intenções das personagens, bem como na conferência de poder e a sua ausência. Onde a luminosidade estará alocada é uma pista do quão perdido, bem ou mal estão todes.

Por fim, mas não menos relevante, pode-se apontar as interpretações de Frances McDormand (Nomadland) e Denzel Washington (Um Limite entre Nós) em A Tragédia de Macbeth. Ambos demonstram uma consciência espacial e corporal ao tensionar os músculos corretos e ao se deslocarem com bastante precisão. O corpo trágico possui as suas especificidades e o tônus da cintura para cima é uma delas.

Com as tensões postas nos lugares exatos, com olhares que mal piscam e uma tonalidade na fala, que mescla imponência e pavor, a dupla capta a complexidade do casal Macbeth. Há um jogo de velocidades na forma de dizer o texto, que diversas vezes está quase “cuspido”, juntamente com os passos lentos, corpo retilíneo e teso que os deixam com mais camadas.

É neste trabalho de Frances e Denzel que o público pode captar o caráter dos Macbeth e como eles são pérfidos e cruéis. O que eles sentem não combina com o que eles expõem para os inimigos, nem mesmo na morte, nem mesmo na loucura derradeira. Ainda assim, falta um pouco de tempo para que a dinâmica entre o casal ganhe um contorno maior. Talvez, este seja um dos poucos defeitos do longa, a presença menor da Macbeth e da Lady arquitetando na serenidade e menos no caos.

A loucura dos Macbeth é progressiva, bem como o desespero que vai se instalando na trajetória dele. Aqui não, ela está constante, desde o início da exibição e poderia ganhar uma subida, porque da forma como Joel a adapta em seu texto, a derrota deles já está anunciada e o triunfo soa passageiro demais. Além disso, na metade de A Tragédia de Macbeth, alguns efeitos ficam repetitivos, como as caminhadas para a mudança do enquadramento. Contudo, estas questões não comprometem a totalidade da produção.

Direção: Joel Coen

Elenco: Denzel Washington, Frances McDormand, Brendan Gleeson.

Assista ao trailer!

*Dramático aqui no sentido aristotélico.