Quem conhece – e gosta – o trabalho de Marcus Curvelo (Mamata, Joderismo, Eu, empresa, etc.), vai gargalhar desde o primeiro plano de O Mediador. Mas, é aquela risada nervosa, que vem junto com um nó na garganta. Curvelo tem essa capacidade de apostar em estéticas simples para dizer coisas complexas e profundas. E funciona.
Em seu curta-metragem novo é exatamente assim que acontece. O artista faz um documentário híbrido, que traz imagens dos brasileiros que clamavam por um golpe de Estado, após as eleições de 2022. Ao mesmo tempo, temos as reflexões políticas e sociais de Marcus, em um estúdio e em caminhadas pelas ruas de Salvador.
Sem muita firula na técnica, porém com uma decupagem consciente, o que impacta aqui são os questionamentos sobre a contemporaneidade. Curvelo é inteligente e corajoso e faz um jogo com a cultura do cancelamento em seu texto.
Ele já se desculpa por todos os caminhos discursivos que escolhe, inclusive, reconhecendo privilégios e tensionando a própria importância da sua obra. Em uma só tacada, em uma sessão de quinze minutos, o realizador esgarça todo o imediatismo, a futilidade e o esvaziamento de pautas da sociedade contemporânea.
A montagem do curta ajuda nesta composição de ideias associativas. Como na sequência que Curvelo diz não ser de esquerda e, logo depois, o público vê ele “fazendo o L”, todo de vermelho e com boné do MST. Desta maneira, o espectador não é subestimado em O Mediador.
Há um convite na produção a reconhecer as camadas dos argumentos postos na narrativa. Para quem não conhece a ironia de Curvelo – e não é obrigada a saber, porque cada obra tem que falar por si – talvez, seja, de fato, complexo saber que há tanto sarcasmo assim por ali.
Até porque, inserido neste tom jocoso, existe uma interpretação que pode levar para uma leitura de que há uma angústia e uma culpa também em toda a sua brincadeira e olhar para o outro.
Porque o autor também se implica e se coloca junto a quem assiste, durante a projeção, para pensar no que é aquele produto que ele tem em mãos. É neste sentido também que o filme tem camadas de complexidade.
Porque Curvelo vai fazendo graça, vai fazendo graça, até trazer uma frase que é um soco no estômago. E esse ciclo perdura durante a exibição inteira. No entanto, essa estratégia não fica cansativa, porque um arco dramático é criado, com progressão, clímax e desenlace.
Há uma consciência, além de tudo, de roteiro em O Mediador. Por isso que essas estruturas funcionam. Assim, o curta é amarrado, cumpre o que se propõe fazer e é um título importante para a filmografia de Marcus Curvelo.
Talvez, ele peque apenas por ser irônico demais, desagradando e afastando parte da plateia. Mas, também, paciência, não é mesmo? É necessário que autores tenham seu estilo e sua voz dentro da arte e Curvelo tem!
Direção: Marcus Curvelo
Elenco: Marcus Curvelo
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