O Deserto de Akin

XX Panorama Internacional Coisa de Cinema: O Deserto de Akin

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O que temos de mais bonito e profundo em O Deserto de Akin são as construções de relações. Por mais que o novo longa-metragem de Bernard Lessa seja um tanto ingênuo e se perca em saídas fáceis, a sua sessão emociona e engaja.

Isto se dá tanto pela discussão política, por discutir a importância do Programa Mais Médicos, quanto pelo estabelecimento dos relacionamentos afetivos entre as personagens. É satisfatório acompanhar a rotina de Akin (Reynier Morales), médico cubano, em sua jornada profissional no Brasil.

A maneira como o protagonista é construído – permeado de uma doçura tímida, mas direta e cuidadosa – eleva a conexão do espectador com a trama. A forma como o roteiro, escrito por Lessa, insere progressivamente o perigo que Bolsonaro representa também é bastante efetivo.

O público é convocado a se apegar ao universo de Akin, ao seu deserto particular, cheio de areia que invade as casas, de romances, de amigos, de amor ao ofício da medicina e de contemplação da vida. Por isso que quando a ameaça da vitória de Bolsonaro chega, quem assiste fica arrasado junto com Akin.

Dentro deste contexto, ele acaba por ser uma personagem bastante complexa, mesmo que a princípio ele soe como confuso, aos poucos, fica nítido que na verdade é a situação que ele vive que o torna reticente. Por isso que a atuação de Morales funciona bastante aqui.

O intérprete imprime uma aura de mistério e essa dúvida sobre o que segura Akin vai sendo desvendada: ele tem medo de se entregar e se decepcionar. Mas, aos poucos, seu corpo e seu olhar vão relaxando e o rapaz vai mergulhando neste bem estar que o Brasil e o trabalho que ele desempenha no país lhe proporcionam. 

Em termos de direção, Lessa vai no seguro, com uma decupagem e uma encenação bem tradicionais. Alguns momentos pediam mais risco, mais movimento ou efeito de câmera, para fomentar as tensões e sensações que estão presentes no roteiro. Talvez, o desenho de som também decepcione um tanto. 

O Deserto de Akin

Há uma história grandiosa sendo contada em O Deserto de Akin e a equipe parece se segurar e se valer somente do talento e da coragem do elenco, que é a parte da produção que faz decisões mais arriscadas. Um grande destaque neste sentido é Ana Flávia Cavalcanti, que se entrega profundamente ao seu papel.

A atriz constrói uma fisicalidade marcante para sua Érica. Assim, Cavalcanti revela uma consciência de elaboração de personagem nesse corpo estruturalmente pensado, mas que fica, ao mesmo tempo, orgânico. As intenções das falas são também importantes aqui.

Ana Flávia capta a dicotomia de Érica, e cria complexidade entre a suavidade da voz e o corpo imponente. No entanto, apesar do longa-metragem apresentar majoritariamente um bom resultado, a partir da sua metade, a sua qualidade começa a cair e não para de se perder até seu desfecho.

O triângulo amoroso, formado por Akin, Érica e Sérgio (Guga Patriota), não leva a lugar algum. Não chega a ser um ponto de tensão e nem de relaxamento dentro do enredo. Ficando no meio do caminho, essa parte da história faz com que a projeção fique um tanto arrastada.

Além disso, a partir da sequência do aeroporto, todas as soluções do roteiro soam como as mais fáceis possíveis. Bernard talvez estivesse com receio de trazer um encerramento triste. Mas, ainda que Akin terminasse o filme bem, era possível sim selecionar caminhos mais sólidos para finalizar o longa.

Após Akin aceitar a proposta de Érica, todas as sequências passam a sensação de que poderiam ser cortadas. Por isso, quando a projeção acaba, fica um desânimo e um cansaço. De toda maneira, ainda que a totalidade seja comprometida pelos seus encaminhamentos derradeiros, O Deserto de Akin é uma obra relevante para cinema nacional, por sua temática. 

Ela também é uma produção que conta com personagens bem elaborados e que agrada na maior parte do tempo, por tornar seu universo ficcional interessante e aproximar quem assiste do protagonista e de todos que o cercam.

Direção: Bernard Lessa

Elenco: Reynier Morales, Ana Flávia Cavalcanti, Guga Patriota

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