Entre convocar uma história cheia de aventuras e explorar as relações humanas mais íntimas, que são aquelas vindas dos laços familiares, Capitão Astúcia traz uma espécie de ternura para as telas, que pode conquistar o público desde os primeiros minutos de projeção. Ainda que conte com certa ingenuidade em seu roteiro, com uma linguagem quase pueril, o carisma de algumas personagens e a reflexão geral proposta para o enredo equilibram o resultado geral do longa-metragem.
Dirigido por Filipe Gontijo (A Volta do Candango), a obra convoca uma dinâmica balanceada de velocidades, tomando um tempo para explorar a relação do protagonista Santiago (Paulo Verlings), com seu avô, o Capitão Astúcia (Fernando Teixeira), com planos mais longos e um tanto mais fechados e temperaturas mais pastéis, que criam uma sensação de intimidade, estabelecida progressivamente durante a sessão. Ao mesmo tempo, há um jogo de tempo acelerado, com luzes coloridas, que mesclam tons de azuis e vermelho, e fomentam o tom aventureiro do longa.
Afinal, este também é um filme de herói! Em uma lógica entre o real e o imaginário, o espectador embarca nas ideias de Astúcia e consegue caminhar junto com Santiago nesta imersão fantasiosa de heróis e vilões. Este é um dos maiores méritos do roteiro de Gontijo com Eduardo Gomes, esta visão tão nítida da personagem principal, que deixa refletida as suas emoções em quem acompanha a sua jornada. Outro ponto que chama a atenção é a vivacidade das tonalidades impressas no núcleo dos idosos.
O avô de Santiago mora em uma casa para pessoas da terceira idade, porém há uma vivacidade na coloração dos figurinos, do cenário e dos elementos de cena, que transmitem toda a energia vital que se pode ter em qualquer fase da vida. Este é um elemento que chama a atenção, porque existe toda uma mentalidade da sociedade – bem capitalista e etarista, diga-se de passagem – de que chega um momento no qual os seres humanos viram apenas aqueles que esperam a morte chegar.
E este é o pensamento oposto da produção. Há toda uma caminhada que pode começar a qualquer momento, em qualquer época, inclusive a vivência de um amor. O romance do Astúcia com a Dulcinéia (Nívea Maria) entra nesta esfera de revelar que a todo tempo é possível recomeçar e acreditar em seus ideais, seus desejos e vontades. A personagem da Nívea chega para complementar a dupla (Santiago e Astúcia) e também traz esta força para que Santiago se liberte das suas amarras do passado e da relação complicada que ele tem com seu pai.
Com este trio estabelecido, uma ambientação de diversão é implementada, com uma história à lá Dom Quixote. Neste sentido, a obra deixa nítida esta referência. No entanto, há um incômodo nesta estrutura, porque, por mais que não importe o que está no plano do real ou não para o que está sendo contado, a narrativa apresenta certa indecisão em relação ao universo elaborado pelo Capitão Astúcia. É titubeante e interfere, de certa maneira, na fruição do conteúdo trazido em cena.
As quebras provocadas pelas idas e vindas de Santiago contando sobre o que vivenciou com o avô também provocam distanciamento durante a projeção. Há uma desconexão, que retira um tanto da imersão que é tão bem construída na maior parte do tempo. Por fim, a figura do pai de Santiago também acaba por se enfraquecer, seja por não haver espaço dentro de tantas propostas da trama ou pela desistência repentina dele de ser essa figura da opressão e formalidade, a angústia do protagonista soa quase como injustificável, diante do que é, de fato, a sua vida.
De todo modo, ainda que carregue consigo algumas questões, que reduzem a sua qualidade, Capitão Astúcia diverte e deixa um sentimento terno ao final de sua exibição.
Direção: Felipe Gontijo
Elenco: Paulo Verlings, Fernando Teixeira, Nívea Maria
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