É uma pena que as boas intenções não fazem bons filmes, caso contrário Virgínia e Adelaide seria um grande longa-metragem. Com experimentações estéticas em sua mise-en-scène e um discurso necessário sobre a inauguração da psicanálise no Brasil e sobre racismo e antissemitismo, a produção peca por tentar demais ser disruptiva e esquecer da coesão.
Por este motivo há uma ausência de criação de relação com a plateia. Uma sensação de vazio paira no ar porque nem o debate sobre análise nem o tempo para se olhar para as duas mulheres que dão nome ao título do filme têm espaço aqui. Além disso, o roteiro tem um texto difícil de ser pronunciado com organicidade do cinema.
Ele soa como diálogos a ser anunciados, talvez, funcionassem melhor em um espetáculo teatral. Na realidade, as ações físicas trazidas no roteiro também poderiam funcionar mais apropriadamente em um palco italiano, com uma luz à pino.
A montagem tenta até passar essa impressão de discurso dito por duas atriz na luz à pino, em cima do palco. Todavia, a edição acaba colaborando como um fomento a esse estranhamento — que ocorre não de uma forma positiva.
Assim, o que se tem aqui são blocos com saltos temporais imensos, que desconectam o espectador da obra. Este é um filme que trata sobre duas mulheres que fundaram a psicanálise no Brasil: Virgínia Bicudo e Adelaide Koch. A trajetória da dupla, pessoal e profissional, é instigante.
A luta de Virgínia contra o racismo e a fuga de Adelaide de uma Alemanha nazista renderiam longas por si só. O encontro das duas e as suas individualidades se enfraquecem porque o roteiro de Jorge Furtado quer dar conta de muito mais do que da própria narrativa que esta produção parece pedir.
A trama poderia focar mais, por exemplo, nas questões de Virgínia. Ela é o ponto de partida e o fio condutor do enredo. As suas transformações não convencem e soam artificiais por conta dos saltos de época. Ao mesmo tempo, as sequências de denúncia, com uma projeção no fundo ou de simulação de entrevista “gastam” esse tempo de desenvolvimento das personagens, durante a história corrida.
O recurso de quebra, um tanto brechtiana, não é em si uma má ideia. No entanto, a quantidade de vezes que são colocadas em Virgínia e Adelaide estabelece mais uma desconexão da plateia. Além disso, os trechos são repetitivos e a entonação das atrizes é monocórdica nestes momentos.
Por fim, também é possível dizer que a encenação — no que ela é enquanto definição clássica dos autores estudiosos do cinema — falha por parecer ingênua e um tanto egóica. Yasmin Thayná e Jorge Furtado embarcam em uma lógica de inserir planificações e efeitos de câmera mais “expressivos” para tentar construir ritmo.
Como a produção aposta na verborragia, a direção investe em trazer um dolly zoom aqui, um zenital ali, para que a visualidade ajude a inserir respiros. Esta estratégia enquanto ideia é excelente e até funciona em dados momentos. Contudo, este é, de fato, um longa intimista.
Portanto, a inserção de alguns enquadramentos ou movimentos e efeitos de câmera cortam a investigação das emoções das personagens. E esta é a chave para entender porque a produção não funciona como deveria. Falta deixar espaço para que o público se aproxime delas e consiga olhar com calma para suas vivências e sensações.
Ao mesmo tempo, o carisma de Gabriela Correa e Sophie Charlotte tornam a sessão mais tolerável. O poder da relevância de Virgínia e Adelaide também são bons propulsores para que quem assiste fique atento até o final da exibição.
Desta maneira, mesmo com uma tonalidade monocórdica, tanto na fala quanto na estética – é um filme todo com cores blocadas na Arte. Tudo azulado, preto ou salmão —, as figuras centrais ajudam a criar um conteúdo um tanto interessante.
Charlotte e Correa entregam um trabalho minimamente digno. Seja no sotaque de Adelaide, que poderia ser trágico, mas é convencível, ou nos bifões panfletários que ambas precisam dizer, a suavidade das intenções das intérpretes ajudam a deixar os textos mais orgânicos.
Direção: Yasmin Thayná; Jorge Fernando
Elenco: Gabriela Correa, Sophie Charlotte
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