Presença (2024)
Lucy Liu em cena de 'Presença (2024)'

Crítica: Presença

Crítica: Presença
3.7

O anúncio de alguns filmes pode mexer com o público antes de sua estreia, quando há algo de diferente e/ou curioso no cerne da narrativa. Quando se fala do universo do terror, isso se torna ainda mais latente, por constantemente sermos bombardeados com versões do que já foi visto. Por conta desse fator da novidade, o novo longa-metragem de Steven Soderbergh (A Lavanderia, de 2019, e Código Preto, de 2025), Presença, chega aos cinemas brasileiros, nesta quinta-feira (27), com altas expectativas.

O filme dirigido pelo cineasta estadunidense se manteve em segredo até o anúncio de sua estreia no Festival Sundance de 2024. O mistério por trás da produção sem ter sido divulgada até o anúncio do festival com o diretor envolvido em um projeto de terror chamou a atenção do público. Mais um fator do roteiro foi a cereja do bolo para aumentar ainda mais a curiosidade dos espectadores: Presença é todo filme sob a perspectiva da entidade que dá título ao filme.

A escolha não usual de contar todo o filme sob o ponto de vista de primeira pessoa, sendo que essa é uma presença sobrenatural que não se manifesta visualmente causou o burburinho que o projeto precisava para ganhar  atenção dos fãs de terror. Ter um cinema não muito convencional já é algo esperado de Soderbergh, mas aqui ele conseguiu ir além. O diretor já havia flertado com o universo da tensão com seus thrillers, mas caiu no terror apenas em 2018 com seu filme, também nada convencional, Distúrbio. Presença vem para se unir ao seu antecessor de gênero como outro projeto poderoso e corajoso do cineasta.

Ambos seus longas de horror foram feitos sob segredo e geraram algum burburinho com sua divulgação por escolhas inusitadas. Em 2018, todo o filme foi filmado com um celular e na sua mais recente produção, Soderbergh conta sua história sob essa perspectiva quase docu-sobrenatural. A escolha pode causar uma estranheza constante e incômoda durante a sessão, mas o resultado vale cada segundo de seu tempo. Presença é um acerto dessa nova parceria entre as inventividades do cineasta com seu roteirista de longa data.

Escrito por David Koepp (Kimi, de 2022, e Indiana Jones e a Relíquia do Destino, de 2023), o roteiro é um exercício de atenção para os detalhes da trama. Ao mesmo tempo, é uma aula de construção de tensão e atmosfera a partir da simplicidade das escolhas técnicas do filme, que claramente estão apoiadas em sua narrativa. Koepp escreve o que é conhecido como uma história slow burn, capaz de fascinar até mesmo os incomodados com as escolhas nada convencionais do projeto. O termo nada mais é do que uma definição para narrativas que conseguem tomar o tempo necessário, de forma dilatada, para encadear os eventos de Presença.

Presença (2024)
Callina Liang em cena de ‘Presença (2024)’

A proposta do roteirista, no entanto, exige mais do espectador. É preciso atenção e disciplina para mergulhar na proposta do longa, coisa que talvez não seja tão fácil nos dias de hoje onde concentração é um luxo que muitos não têm. Isso pode gerar respostas negativas à curiosa proposta da produção, mas não tira o seu valor em nenhum momento. Pelo contrário. Acredito que a manutenção da dilatação em um filme de perspectiva de personagem, quase documental, é um desafio interessante lançado por Koepp e Soderbergh ao público que se aventura nas sessões de Presença.

O longa traz uma proposta que não se enquadra necessariamente em nada que conhecemos. Ele não é um documentário porque não está em seus moldes, características e elementos, ainda que soe como tal em momentos. Também não tem uma ação sobrenatural como a franquia Atividade Paranormal (2007-2021) como muitos podem se enganar ao assistir o trailer. E Presença também não é o tipo de filme que deseja investigar/examinar as ações dos personagens. Eles estão ali apenas para serem observados como fragmentos de um tempo e num espaço específicos.

Com isso, as convenções pré-estabelecidas pelo imaginário do público para o filme são quebradas uma por uma. Igualmente, o espectador é surpreendido com essa inventividade de proposta, como se fosse o avesso do que tentaram em Aqui (2024) , mas que Zemeckis não conseguiu realizar. No entanto, a estrutura de Presença pode (e vai) desagradar muitos. A atenção das pessoas é presa a partir de outros artifícios, o que gera desconforto. A própria falta de relevância das atuações também pode causar isso.

O elenco de Presença não é o cerne do projeto. Eles estão ali como outras engrenagens do longa, mas não são, em nenhum momento, o seu destaque. Há uma preocupação muito maior com a forma e os efeitos da técnica utilizada. A ambiência e sua construção dilatada tem muito mais relevância até mesmo do que nomes conhecidos como Lucy Liu (Shazam! Fúria dos Deuses, de 2023), Chris Sullivan (This Is Us, de 2016-2022).

O longa é uma obra de atmosfera. O foco do roteiro está muito mais na cadência dos eventos narrativos do que neles em si. Ou até menos do que nas performances do elenco. Claramente a ideia da produção é gerar um desconforto no público, colocando ele no lugar de um fantasma perdido que não sabe o que fazer com sua existência inexorável.

O espectador é o sobrenatural que observa, vagando durante os 85 minutos de filme, sem saber exatamente o que fazer. E, no momento que os eventos narrativos se tornam mais tensos, nos vemos no lugar de agência, sem poder fazer nada de fato, renegados apenas como observadores de tudo aquilo. O gosto pode ser amargo ao final da sessão, mas se isso acontecer, acredito que a missão de Presença foi cumprida.

 

Direção: Steven Soderbergh

Elenco: Lucy Liu, Chris Sullivan, Callina Liang, Eddy Maday, West Mulholland e Julia Fox

Assista ao trailer!