Crítica: Pecadores

Para muitos, o tempo é uma ilusão. Enquanto essa crítica está sendo escrita, por exemplo, esta que vos escreve habita diversos lugares, em momentos que já aconteceram, estão acontecendo e vão acontecer. Essa lógica é uma das bases que permeia Pecadores, novo filme de Ryan Coogler (Pantera Negra).

Assim, elementos das religiões de matriz africana se encontram com a mitologia dos vampiros, em uma trama que entrega, na maior parte do tempo, um resultado de alta qualidade. É curioso observar como os flashs – backs e forwards – funcionam e empregam mais fluidez para a trama, além de diluir essa noção de cronologia, claro.

Em um longa-metragem que mescla terror com drama, o público vai encontrar dois estabelecimentos de atmosfera, que funcionam  mais como uma metáfora construída por Coogler. Se nas pontas do filme, a ambientação é de tensão, supensão e medo, no “recheio” da obra se tem a construção de um longa de drama.

Três elementos marcam essa característica. O primeiro é a direção, que investe, quando constrói o terror, em uma decupagem com mais efeitos e movimentos de câmera que dão uma ideia maior de urgência, confusão mental e pânico. 

Um exemplo é a sequência inicial, com o plano geral da porta da capela, que usa um traveling para aumentar a impressão de que o protagonista está desnorteado. Neste sentido, a encenação fomenta esta elaboração de Coogler, com o abarrotamento maior de pessoas e objetos quando necessita imprimir na tela a tensão.

Da mesma forma, no meio do filme, tem-se suspensão também, porque ela permeia a obra inteira, porém há mais planos fechados e longos. Assim, a plateia pode investigar mais as relações das personagens e criar um laço de empatia com elas. Essa é a maior chave para que Pecadores dê certo, essa proximidade que o público sente ter com a história e os participantes dela.

Desta maneira, o segundo elemento que revela esse trabalho consciente da equipe é o seu som. Observando as sonoridades presentes na obra é possível, inclusive, saber quando o perigo está por vir e qual é o grau de periculosidade que será oferecido. A sequência da cobra é um bom momento para notar esse trabalho de desenho e mixagem de som.

A música e os efeitos sonoros anunciam que há um ataque por vir, mas os irmãos conversam calmamente. O espectador pode estranhar a situação por alguns minutos, porém, em poucos minutos, entende-se o porquê do estabelecimento de tensão: tinha uma cobra no carro.

Assim, som e imagem são carregados de coesão e de sentidos plurais, que se completam. Por fim, é possível perceber que a montagem também se insere nesta lógica. Mais frames por minuto ou o oposto disso, a depender da intenção de uso de gênero cinematográfico.

Frenesi e respiro, terror e drama. No entanto, são nestes respiros que a produção se perde um pouco e a qualidade cai levemente. Antes da festa iniciar, os irmãos gêmeos Smoke e Stack (ambos feitos por Michael B. Jordan) recrutam um time que vai trabalhar na abertura do bar de Delta Blues que eles estão fundando.

Todavia, toda essa parte que não está nas pontas passa a ficar cansativa até o início da festa. De certa maneira, existe aqui até uma metáfora interessante de que a comunidade negra não tem paz, nem respiro, que não podem relaxar que os vampiros vêm. Contudo, talvez, uma pequena enxugada em algumas sequências ajudariam o longa a não ter uma desaceleração tão intensa que afeta o seu ritmo, cansando o espectador.

De toda forma, a obra volta para seus trilhos, no início do terceiro ato e é importante ressaltar como o elenco dá conta de tantos elementos fílmicos e metafóricos. A contracena é o que mais impressiona e os atores trazem algo difícil de se fazer atuando que é a sensação de intimidade.

As personagens realmente parecem se conhecer há muitos anos e isso vem tanto na forma que eles se deslocam, como na maneira que se olham e se tocam. As camadas da narrativa se aprofundam com as construções de sentido criadas pelo elenco.

Mas, o que realmente impressiona é o trabalho Jordan. O intérprete cria as semelhanças e distinções de Smoke e Stack não apenas na composição física e na visual – que também é um mérito da figurinista Ruth E. Carter (Pantera Negra) -, mas da construção psicóloga que Jordan elaborou, através da forma como ele trabalha nas intenções de texto.

Além disso, a conexão criada entre os dois é um dos pontos altos do filme. A contracena de Smoke e Stack é sempre intensa e é o mesmo ator que faz uso da consciência sobre as suas personagens para elevar a sensação de proximidade da dupla. Nesta lógica, a relação deles com o primo Sammie (Miles Caton) é mais fraca.

Caton não convence tanto neste relacional com Jordan, mas a sua voz e a fisicalidade que o jovem criou em seu papel ajudam a diminuir essa ausência de conexão entre Caton e Jordan. Inclusive, a musicalidade representa muito para a história. Coogler, que também assina o roteiro aqui, não só faz uma homenagem ao Delta Blues, mas conecta ele com a trama.

A ideia de traduzir a potência da música para a espiritualidade, para a cultura e para as lutas políticas elevam a potencialidade da obra de Ryan Coogler. Desta forma, há muito o que ser dito, analisado e fruído em Pecadores. De certo, esse é o maior trabalho do cineasta até o momento. Contundente, o longa merece atenção, ser visto e revisto.

 

Nota: 4 estrelas

 

Direção: Ryan Coogler

Elenco: Michael B. Jordan, Delroy Lindo, Wunmi Mosaku

 

Assista ao trailer!