O metafórico, o bizarro e o cômico entram em um bar…No meio de clichês de relacionamentos sáficos – quem vive/viveu sabe –, uma família mafiosa, um caso de abuso doméstico, fisiculturismo, ação e o lúdico vindo de alucinações, Love Lies Bleeding: O Amor Sangra é insano! Contudo, adjetivos em críticas precisam ser justificados, não é mesmo? Mas, como explicar que Kristen Stewart faz uma atendente de academia, que se apaixona por uma fisiculturista e a dupla passa a cometer loucuras, em nome da paixão, do amor, de parentes, dos sonhos e da justiça?
Em meio ao ambiente um tanto kitsch dos anos 1980, Lou (Stewart) precisa lidar com o fato de que sua irmã é casada com um homem violento e sem caráter. Ao mesmo tempo, o seu pai é um bandido abusivo, que possui uma casa de tiros, entre outras propriedades. Uma delas é a academia de ginástica, na qual Lou trabalha, conhece Jackie (Katy O’Brian), apaixona-se por ela e oferece anabolizantes para a amada ter um melhor desempenho em seus treinos.
Eu sei, é muita informação e, talvez, fosse necessário fazer uma terceira explicação sobre este enredo, porque ele é, de fato, repleto de escolhas curiosas, que propiciam uma gama ampla de construção de sentido. O fato dos músculos de Jackie se expandirem, de forma a transformá-la em uma espécie de She Hulk, por exemplo, é o ápice destes caminhos inventivos. Todavia, o mais importante de se observar em todo esse contexto de leds e luzes oitentistas, vilões masculinos, heroínas femininas, é o quanto a extrapolação do real com o cotidiano não soa artificial.
Este é o ponto alto de Love Lies: a sua coragem em explorar o insano, sem ser um mero flerte, porém um mergulho no surreal, no lúdico do irreal (que pode salvar a nós mulheres, como em uma história em quadrinhos, como em uma ficção no qual as sáficas vencem o patriarcado branco cisgênero criminoso e opressor). Ainda que se perca em voltas narrativas desnecessárias e demore para chegar ao cerne da questão, enrolando para dar start ao que é a premissa, verdadeiramente, a alucinação que é este longa-metragem faz com que a sessão valha a pena.
Existe algo dentro do cinema, principalmente hollywoodiano, que é a necessidade de acúmulo de capital simbólico para que se possa nadar no oceano do fantástico. Sobretudo quando o assunto são diretoras mulheres. Quem seria Rose Glass (Saint Maud) para poder arriscar assim, não é mesmo? O fato é que a cineasta é habilidosa e consegue transmitir com sua construção imagética, o que criou em seu roteiro, ao lado de Weronika Tofilska (Bebê Rena).
Há muito de emocional/sentimental presente nos close-ups, banhados de “sangue” – a.k.a, gelatina vermelha –, de sombras e luzes, de cores vibrantes. A sua câmera é majoritariamente parada. É no jogo de enquadramentos, que Glass saboreia a investigação – e o surto – de suas personagens. Todavia, apesar de toda esta adrenalina de suor de musculação e sexo, de assassinatos, mistério e fugas, Love Lies Bleeding: O Amor Sangra falha em manter a sua vibração, proposta por sua própria estética.
A progressão dos acontecimentos é grande, mas o desenvolvimento, as justificativas e resoluções não seguem o mesmo rumo de grandiosidade. A ultrapassagem do cotidiano, que deveria ser usada para manter a elaboração de camadas da trama e suas personagens, parecem se esgarçar e ser utilizada para um chiste tolo. As intenções das personagens se afrouxam e a condução do que vinha sendo construído vai se esmaecendo, deixando o terceiro ato mais fraco que o restante.
Saídas mágicas passam a ser convocadas, motivações esquecidas e a criatividade parece ter se esgotado nas roteiristas, enquanto as mesmas foram avançando na escrita. O fôlego se esgota, porém o encerramento da sessão, com a sequência do embate entre Lou e seu pai, Lou Sr. – Ed Harris em um dos seus melhores trabalhos, senão o melhor de sua carreira – acabam deixando uma boa impressão sobre a produção, ao final da exibição.
Isto porque a montagem e a direção pedem pela atenção extrema do público, que no jogo de plano/contraplano de Kristen e Ed, perde o ar, esperando a resolução de um conflito aparentemente impossível de ser solucionado. Assim, entre as metáforas cartunescas, os relacionamentos sáficos emocionados, a bandidagem mafiosa febril, vil e sangrenta, a plateia tem contato com uma história criativa e quase coesa.
Ainda há o plus, que é a musicalidade do pop e do pop/rock dos anos 1980 (com pitadas de outras décadas, claro, para evocar ainda mais a nostalgia dos tempos menos efêmero da música – mas essa é outra discussão, não é? São por estas razões que Love Lies Bleeding: O Amor Sangra prende a atenção, gera empatia na plateia (pelo menos naquelas mais receptiva aos absurdos da ficção) e entrega um título preenchido de certa bravura, que tem faltado no cinema (higiênico/corretinho/insosso) destes últimos tempos.
Direção: Rose Glass
Elenco: Kristen Stewart, Katy O’Brian, Ed Harris
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