Crítica: June e John

Crítica: June e John
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Luc Besson é um realizador corajoso, ousado e, às vezes, até disruptivo. Em títulos como O profissional (1994), O quinto elemento (1997), Lucy (2014) ou até mesmo no clipe Love Profusion, da Madonna, Besson explora mais do que uma identidade visual única, ele transpõe na tela seus sentimentos em relação ao mundo e a partir disso imprime a estilística. Em June e John não seria diferente.

Aqui ele convoca seu estilo para explicar o que entende sobre o mundo contemporâneo. É curioso observar como a direção começa seca. Ao lado do diretor de fotografia Tobias Deml (Hell, Calofornia), há poucas sombras. Tudo parece chapado no ambiente higienizado do protagonista John (Luke Stanton Eddy). O azulado representa a melancolia de John e todos os objetos bege e cobertos pelo ciano confirmam a sua infelicidade. 

No figurino, peças e cores clássicas de opressão: terno cinza e pasta marrom. Mas todos os signos tradicionais sobre a discussão do conformismo e do sufoco do capitalismo vão sendo fomentados pela narrativa insana que vai ganhando espaço na trama. A começar pela ampliação real da discussão da sordidez cínica da sociedade. O uso de aparelhos celulares é reduzido, apesar da discussão sobre as redes estarem também presentes na tela, o roteiro de Besson é inteligente ao ir além do problema atual da humanidade. 

O uso das redes e da vontade de se mostrar nela é um sintoma de algo mais profundo, que já habita este planeta faz tempo. Assim, entre discursos bem diretos sobre como as grande empresas, os ricos e o sistema como um todo são predadores da liberdade, visualmente os planos gerais revelam centenas de carros, prédios gigantes em contra-plongée. Todos elementos repressivos atingem John. O jovem está mergulhado até o pescoço neste cotidiano opressivo, pálido e azulado. Contudo, ele está infeliz. A exaustão da personagem está em cada elemento de sua composição.

É possível reconhecer isto nos olhos cansados e na postura corporal do ator, na encenação que fecha os planos no seu rosto para frisar suas expressões faciais e abre o quadro para mostrar as ruas avacalhadas de Los Angeles de desabrigados, carros e vida banal. Mas, até metade da projeção o espectador pode ficar desconfiado. Afinal, não há nada de novo nem na estética e nem na argumentação do longa-metragem.

As produções não precisam reinventar a roda, porém a constância na rotina de John e a leve progressão da sua exaustão perante sua vida anunciam que algo está para acontecer: uma reviravolta. Por isso, pode soar estranho o reforço desta dinâmica de John e sua vida esgotante. Nesta lógica de longa sobre jovem enclausurado pelo sistema, que lembra muito obras dos anos 1990, é a entrada de June (Matilda Price) que estabelece a genialidade de Besson.

A jovem surge repentinamente na vida do rapaz e, com ela, as imagens vão gradativamente ganhando camadas de estilo. O casal passa a ser visto em angulações múltiplas, as texturas vão se complexificando e cores quentes sendo inseridas. Ao mesmo tempo, situações completamente extra-cotidianas se iniciam. De roubo a um banco até casamento em Vegas e fuga da polícia, o enredo parece extrapolar todos os limites do real e extraordinário para estabelecer um argumento.

Porque essa dicotomia entre o enfadonho do empresarial burocrático com a insanidade em quebrar as regras do sistema parece ser a questão central aqui. O que é louco de verdade? Ao que está se submetendo a humanidade? É melhor morrer ao desperdiçar a vida?  Ou, ainda, seria melhor viver do que morrer pelo cinismo e as correntes do capitalismo? Na realidade, a esperança – desta que vos escreve – é que haja um equilíbrio. Mas, de fato, a conexão com a natureza, a melhor hierarquização do tempo e o desapego exacerbado ao capital precisam ser olhados de frente.

É por isso que, mesmo com uma ruptura entre as duas partes da projeção, que parecem descoladas uma da outra e do male gaze exagerado de Besson, June e John se revela urgente. Urgente por encarar um novo mundo sob uma ótica corajosa, por convocar uma linguagem que mescla temas tão antigos, porém tão contemporâneos, com o mesmo olhar. Neste sentido, é difícil ser sucinta ao falar desta ou produção ou entregar um texto coeso.

June e John é rebelde demais e ao mesmo tempo tão igual a tantas outras obras que falam sobre o sistema e como rompê-lo que o que o torna especial é o como é feito e o relacionamento do casal central. Ainda assim, o final da sessão deixa um gosto amargo, porque resta, ao desfecho da exibição, uma pergunta cruel: daqui há 20, 30 anos, o problema ainda vai ser o mesmo? Entre Felicidades que não se compram, Thelmas e Louises e Doces Novembros, o mundo ainda sofrerá.

No entanto, pensar nas rupturas e no equilíbrio dentro do próprio sistema que adoece o mundo inteiro também é uma função da arte e Besson realiza seu intento com coragem e sensibilidade.

 

Direção: Luc Besson

Elenco: Matilda Price; Luke Stanton; EddyRyan Shoos

Assista ao trailer!