Há mais de 20 anos atrás (vinte precisamente contados da realização deste filme), Reynaldo Gianecchini abdicou de uma carreira no Teatro Oficina de José Celso Martinez Corrêa para estrear como galã de telenovelas em Laços de Família, um dos maiores sucessos do autor Manoel Carlos na Rede Globo. De lá para cá, Gianecchini fez uma carreira exitosa na TV, é certo que marcada pela superação, já que, inicialmente, não recebeu os maiores elogios por sua atuação, mas, de maneira geral, ele se firmou como um dos mais queridos de sua geração. No entanto, a trajetória interrompida no Oficina gerou algumas travas para o ator que, desde então, nunca mais pisou naquele local. Gianecchini relata que faz vinte anos que “não tem coragem” de ver José Celso Martinez Corrêa
É o reencontro de Gianecchini com José Celso Martinez Corrêa que interessa ao diretor Marcelo Sebá. Em Fédro, Sebá registra o reencontro desses dois personagens para ensaiar na casa de Corrêa uma montagem do texto de Platão que dá título ao filme, um texto que traz uma conversa entre Sócrates e seu pupilo, o jovem e belo Fédro. No reencontro de Corrêa e Gianecchini, Sebá registra uma série de ponderações do dramaturgo brasileiro sobre mitos, arte, política e vida a partir das inquietações do ator.
A proposta de Sebá em Fédro é extremamente simples. O diretor simplesmente larga Gianecchini no apartamento de Corrêa com uma taça de vinho e uma cópia do texto de Platão em mãos. Dali em diante, o que o espectador vê é esse diálogo entre duas figuras absolutamente fascinantes.
De um lado, o mítico José Celso Martinez com toda a sua sabedoria, falta de pudores, paixão e generosidade no compartilhamento de suas experiências de vida. Do outro, um insuspeitadamente apaixonante Reynaldo Gianecchini, que, ao mesmo tempo que se revela para Martinez Corrêa e para a câmera de Sebá como um homem repleto de travas emocionais, sobretudo por ter sido forjado no star system brasileiro, se mostra extremamente disposto ao aprendizado, inquieto, desejando extrair do seu mentor e ídolo tudo aquilo que pode obter e, a despeito de recusar a nudez, tão exposto e vulnerável. Gianecchini expõe seus medos e fragilidades pessoais e artísticas à simplicidade e sabedoria de Corrêa. O contraste entre a experiência e liberdade de José Celso e a beleza, juventude e fascínio de Gianecchini pelo aprendizado torna Fédro um documentário com diversas camadas no diálogo entre a obra lida pelos seus protagonistas e a própria relação que eles estabelecem fora do território da ficção.
Como o próprio Martinez Corrêa pondera para Gianecchini, o adorado Fédro, no caso, o próprio ator, julga ser uma figura inferior ao seu mentor, a quem reserva um certo endeusamento, não suspeitando que, no fim das contas, é alguém igualmente admirável. É curioso como o mote de Fédro é esse encontro com José Celso Martinez Corrêa, mas, no final das contas acaba sendo um filme também sobre o encantamento do diretor e do público com Reynaldo Gianecchini, que acaba mais exposto do que imaginaria.
No final das contas, a nudez, uma celeuma em dado momento do embate entre os dois personagens do documentário, é só um detalhe e é sensível a transformação de Gianecchini ao final desse reencontro com Corrêa. Assim, Fédro é um filme que consegue dimensionar porque José Celso Martinez Corrêa é um mestre em sua arte, mas também os caminhos pelos quais Reynaldo Gianecchini conseguiu superar suas iniciais limitações artísticas e se tornar um ator com cada vez mais recursos. Isso só foi possível por ele nunca ter vergonha de se colocar nesse lugar de aprendiz.
Direção: Camila Mota, Marcelo Sebá
Elenco: Reynaldo Gianecchini, José Celso Martinez Correa
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