Bottoms

Crítica: Bottoms

3.5

Depois do curioso Shiva Baby, comédia que abordava os costumes da comunidade judaíca estadunidense pela perspectiva de uma jovem integrante do grupo, a diretora e roteirista Emma Seligman aposta na comédia high school com o simpático Bottoms. O filme é mais uma parceria de Seligman com a atriz Rachel Sennott, estrela de Shiva Baby, que aqui além de protagonista é co-responsável pelo roteiro e pela produção do longa junto com a cineasta.

Seligman e Sennott contam a história das amigas PJ (Sennott) e Rosie (Ayo Edebiri, da série The Bear). Ambas fundam na escola um clube de luta para meninas. O intuito do clube alardeado pelas duas é propiciar às garotas do colégio recursos para se defenderem de potenciais agressores, mas, na verdade, na sua origem, PJ e Rosie conceberam o grupo como desculpa para flertar com outras garotas. O clube acaba reunindo meninas de diferentes segmentos da escola, das excluídas às líderes de torcida, transmitindo para suas integrantes importantes lições sobre a sororidade na prática.

Bottoms é um título que reúne parte das principais marcas narrativas das comédias high school, um gênero extremamente popular dos anos 1980 e 1990, revisitando pontos que possam soar anacrônicos no século XXI. O filme tem um enfoque muito evidente em personagens LGBT, sendo extremamente interessante observá-lo comparativamente com títulos do mesmo gênero no passado pois figuras que antes estavam à margem nessas histórias aqui assumem um protagonismo, no caso, as “heroínas” PJ e Rosie. As garotas interpretadas por Sennott e Edeberi tem conflitos críveis a suas respectivas orientações sexuais, com direito a interesses amorosos e tudo. Quando que isso seria possível em um filme do gênero nos anos 1980?

Bottoms

Bottoms é um filme extremamente divertido com pitadas pontuais de ironia a respeito das ainda excludentes dinâmicas sociais entre adolescentes nos corredores de um colégio convencional. A maneira como o longa aborda a fluidez da sexualidade de suas personagens é bem executada e orgânica. A ideia de sororidade também é trabalhada de maneira muito efetiva pela obra, sem que para isso a diretora caia em redundâncias ou tratamentos superficiais e já defasados sobre a temática. É interessante sobretudo como o filme se permite “brincar” com essas pautas, optando por uma abordagem afirmativa sobre o assunto, porém mais aderente à realidade da maioria das pessoas, bem distante da superficialidade das redes sociais ou da excessiva gravidade empregada nas discussões acadêmicas.

As mulheres e personagens LGBTs de Bottoms tem propósitos afirmativos e empoderadores, mas possuem personalidade e demandam questões particulares às suas realidades. A vivência de uma LGBT branca como PJ, por exemplo, é bem diferente de Rosie, uma garota negra. Com tratamento semelhante, a comunidade LGBT em Bottoms tem diferentes matizes, encarando suas respectivas sexualidades de maneira variada e, muitas vezes, fluida, evitando estereotipar essas personagens. Também é interessante perceber como o filme evita transformar essas personagens em figuras perfeitas, todas as meninas de Bottoms têm pontos falhos (algumas até falhas de caráter), conflitos entre si, afastando-as daquela visão ingênua de que a representação LGBT ou feminina no cinema para ser positiva para essas comunidades tem que necessariamente prezar pela construção de modelos irretocáveis de conduta. Não, aqui a complexidade é muito bem-vinda e faz muito bem à história.

O elenco do filme também é um ponto alto da obra. Rachel Sennott e Ayo Edebiri são as protagonistas perfeitas para a história, há ótimos momentos para o professor interpretado por Marshawn Lynch e Nicholas Galitzine tem boas cenas como o hétero “mais popular” do colégio, o jogador de futebol americano Jeff.

Divertido, mas compromissado e incisivo com as causas que assumidamente defende, Bottoms é um ótimo exemplar para a comédia high school na atualidade, um passo que definitivamente não esperávamos ver a diretora de Shiva Baby seguir, mas que demonstra total coerência com a condução da sua carreira até aqui. Com Bottoms, Emma Seligman firma parceria com Rachel Sennott como nomes a se destacar na comédia, usando o gênero para construir histórias compromissadas com a originalidade no tratamento da narrativa e com o revisionismo da representação de grupos sociais nessas tramas.

Direção: Emma Seligman

Elenco: Rachel Sennott, Ayo Edebiri, Ruby Cruz

Assista ao trailer!