A loucura do mercado financeiro é tema recorrente do cinema norte-americano. De Wall Street – Poder e Cobiça, de Oliver Stone, a O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese, Hollywood já explorou com as mais diferentes abordagens o fascínio de engravatados especuladores financeiros pelo dinheiro e por tudo aquilo que ele pode trazer. A Grande Aposta é um dos títulos recentes a explorar esse universo, especificando sua localização ao expor para o público os meandros da bolha imobiliária que levou não apenas os EUA como o mundo a uma preocupante crise financeira na segunda metade dos anos 2000. O filme é uma adaptação um livro de Michael Lewis, autor das obras literárias que deram origem aos longas Um Sonho Possível e O Homem que Mudou o Jogo, e, não por acaso, é baseado também em eventos e personagens reais.
A Grande Aposta inicia sua narrativa nos apresentando a Michael Burry, vivido por Christian Bale, o dono de uma empresa pequena que acompanha ações do mercado ao coordenar um fundo de investimento. Burry decide apostar todas as suas fichas na quebra do mercado imobiliário norte-americano. O diagnóstico de Burry leva o mercado financeiro ao frenesi já que outros profissionais do setor começam a sugerir aos seus clientes que sigam a tendência vislumbrada pelo excêntrico especulador financeiro. Acabam entrando na aposta perigosa um corretor que passa por problemas emocionais após o suicídio do seu irmão, interpretado por Steve Carell, e dois inexperientes na Bolsa de Valores que são guiados por um guru de Wall Street, interpretado por Brad Pitt, que há anos vive bem longe da agitação e do estresse do mercado financeiro.
Ao apostar no humor, o diretor Adam McKay acerta na condução de um roteiro ritmado e cheio de energia e frescor escrito por ele e por Charles Randolph. McKay dimensiona para o espectador o universo neurótico e de ética questionável da especulação econômica através do sarcasmo de um roteiro que é acompanhado pelo olhar irônico e inventivo do realizador. Em A Grande Aposta, Adam McKay joga todas as suas fichas em múltiplas formas de tornar uma trama repleta de termos e jogadas marcadas pelo “ecomiquês” em algo, no mínimo, “palatável” e compreensível para a plateia: existe a quebra da quarta parede por alguns personagens, interrupções da narrativa com sequências nas quais algumas celebridades surgem para explicar determinados movimentos da trama… E McKay faz isso não porque não confia na capacidade de leitura e assimilação de conteúdos do seu público, mas porque são interferências necessárias para a fluidez da trama e acabam sendo formas inventivas de costurar o seu filme que estão à serviço do próprio tom encontrado pelo realizador para a sua narrativa.
Do elenco, Christian Bale detém o personagem mais complicado da trama, ou pelo menos aquele que requer um exercício de composição mais rígido. Na pele do antissocial Michael Burry, Bale oferece uma interpretação cheia de detalhes, tornando-se, talvez, um dos pontos emotivos mais fortes de um filme que, acertadamente, sai gradualmente do humor e da ironia e acaba assumindo um tom mais grave em seu desfecho. Nesse sentido, Steve Carell também ganha destaque ao dar vida a um personagem que, se inicialmente parece ser um típico neurótico do mercado financeiro, aos poucos vai revelando uma crise de consciência e sua fragilidade emocional. Certamente, Bale e Carell são os atores com as performances mais interessantes do filme, talvez porque detenham os personagens cujos arcos dramáticos sejam mais intensos ao longo da trama, porém os demais colegas dos atores, entre eles, Brad Pitt e Ryan Gosling, também estão excelentes em momentos pontuais da história. Em suma, o elenco está imbatível e é um dos pontos fortes do longa.
Encontrando a medida certa entre a ironia e o humor que o universo que aborda merece ser tratado, sem cair no equívoco de abordar com desrespeito todas as consequências das ações questionáveis da maioria dos seus personagens ao longo da projeção, já que o filme consegue dar a dimensão da gravidade dos seus atos ao final da narrativa, A Grande Aposta é um êxito. Trata-se de um filme corrosivo e sério sobre o capitalismo, sem transformar-se em um filme sisudo ou pesado que força o espectador a aderir a uma determinada bandeira política ou ideológica. A Grande Aposta é um filme certeiro em seus propósitos. Adam McKay consegue tornar sua trama complicada e cheia de meandros “espinhosos” para olhares leigos em um longa cuja condução é marcada pelo frescor, sem perder o compromisso e a responsabilidade crítica que inevitavelmente atrai para si ao falar sobre o capitalismo e seus ciclos destrutivos e excludentes.