29º Cine PE: Os enforcados

29º Cine PE: Os enforcados
3.5

Em uma mistura de premissas shakespeareanas, Fernando Coimbra (O Lobo atrás da Porta) utiliza suas referências para falar de amor, corrupção e traição. Em uma trama cheia de jogo de poder, a obra é corajosa ao abordar uma violência crua, principalmente em termos imagéticos.

O sangue, a pancadaria, a agressão gráfica também fazem parte da narrativa e são utilizados como propulsores para a afirmação do argumento de que o ser humano é capaz de tudo pelo dinheiro.

Ok, não há nada de muito novo nisso, mas aqui essa ganancia é bem explorada, pelo menos, na maior parte do tempo e de elementos. No entanto, alguns signos usados são tão óbvios, que a qualidade do roteiro se esvai um pouco na visualidade do longa.

A insistência do verde e do vermelho cria uma símbolo um tanto óbvio: o dinheiro e o sangue vão mover a trama. As tonalidades estão nos figurinos, nas paredes e nos objetos de cena. Isso é reiterar o que já está presente nas ações práticas do roteiro.

Talvez, se a utilização destes tons fosse mais sutil, a estratégia funcionasse melhor e as temperaturas fossem mais uma sugestão do que qualquer coisa. Neste sentido de obviedades, até a metade da projeção, a história é bastante previsível.

Bom, pelo menos para quem leu ou viu Hamlet, Macbeth ou qualquer uma das principais tragédia de Shakespeare. Está tudo ali, o irmão que mata o outro irmão, os assassinatos pelo poder, o banquete com os corpos dos filhos etc.

A única distinção do dramaturgo europeu para o roteirista brasileiro é que aqui se fala de corrupção no Brasil e os malandros da mafia do jogo do bicho. No entanto, o que faz a obra crescer e elevar sua qualidade é a segunda metade da exibição.

Com todos os elementos das relações entre as personagens estabelecidos — o casal central, a mãe da protagonista, o melhor amigo do antagonista etc. —, o espectador ganha as ferramentas para embarcar no estabelecimento de tensão.

Apesar do início ser óbvio, ele consegue criar uma imersão importante para que o restante da sessão funcione. Isto porque o enredo coloca quem assiste para acompanhar detalhes da vida íntima de Regina (Leandra Leal) e Valério (Irandhir Santos).

Assim, a proximidade e a cumplicidade com a dupla fica estabelecida e , até um dado momento da sessão, protegida por essa espécie de cumplicidade construída por Coimbra, entre consumidor e obra.

Mas, são as reviravoltas da história o ponto alto do longa, porque elas são impactantes e a encenação brinca com a elaboração de suspensão. Coimbra usa a movimentação do elenco e a câmera parada para aumentar a atmosfera de medo, tensão e violência.

Ao lado da mise-en-scène, o longa também possui um desenho de som que fomenta todas estas emoções. Um exemplo é a sequência do primeiro assassinato. Leal está enquadrada e se mexe pelo espaço.

O público segue a sua perspectiva e escuta apenas os ruídos do crime. Esse tipo de escolha da equipe de Os enforcados revela uma consciência de como o sonoro pode impactar muito mais do que mostrar graficamente algo, sobretudo quando combinado com a imagem correta.

Quando quem assiste observa a angustia de Regina (Leal),  a elaboração sobre o processo do ato de violência é imaginado por cada receptor, a partir de suas referências do que é o mais violento. Essa estratégia pode elevar a potencialidade do discurso de um produto audiovisual.

Dentro desta lógica de potencialidades bem exploradas, é preciso destacar o trabalho de Leandra Leal. Ainda que todo elenco esteja coeso e com construções que mostram a consciência de todos sobre contracena, é Leal que mais impressiona.

Através de um trabalho de corpo que mescla um relaxamento ativo com um rosto cheio de tensões, há uma complexidade grande em Regina. E estas camadas estão na interpretação de Leal e no roteiro também.

Regina é fútil, porém nem sempre. Regina é mau caráter, porém nem sempre. Não é inteligente o tempo inteiro, nem burra o tempo inteiro. Ela é uma rede de complexidades, na qual todos ao seu redor, que a subestimam, vão cair.

Desta forma, Os enforcados é, majoritariamente, um bom filme, mas com alguns elementos negativos, que reduzem um pouco de sua qualidade. No entanto, é uma obra que vale a pena de assistir.

 

Direção: Fernando Coimbra

Elenco: Leandra Leal, Irandhir Santos, Irene Ravache

 

Assista ao trailer!