29º Cine PE: Nem toda história de amor acaba em morte

29º Cine PE: Nem toda história de amor acaba em morte
2.5

O cinema brasileiro, assim como qualquer outro, merece ter também histórias leves, enredos sobre o cotidiano, sobre amor e sobre filigranas das relações humanas. Este fator é ainda mais relevante quando se pensa em festivais de cinema, no Brasil e no mundo.  Precisa-se pensar porque a mera presença de uma produção menos focada em tragédias, dramas profundos (no sentido do gênero) ou que seja sobre romances tranquilos pode gerar um estranhamento.

É necessário compreender como as sessões suaves são necessárias para a espectatorialidade humana. O que todo e qualquer filme precisa ser é bem feito. Essa reflexão inicial vem do fato de que Nem toda história de amor acaba em morte é uma obra suave, sem grandes sofrimentos, sem temperaturas mais sombrias, sem grandes metáforas visuais ou textuais. O longa-metragem se vale da conexão emocional com a plateia e, em certa medida, essa estratégia funciona. A tradição cinematográfica é posta na encenação e o foco são as ações físicas das personagens e a textura dos diálogos, que procuram abordar sentimentos individuais e plurais da sociedade.

Essa é uma história de amor comum no cinema, na qual uma pessoa de mais de cinquenta anos – aqui, uma mulher -sente que precisa ressignifcar a sua traetória. Por isso, Sol se separa do marido e embarca em uma jornada de descoberta. A grande sacada aqui é que a obra traz um elenco surdo e o grande novo amor da protagonista, Sol (Chris Gomes), é uma jovem surda, Lola (Gabriela Grigolom). A partir da entrada de Lola, a obra ganha novas camadas. Para além da importante representatividade de pessoas surdas, Gabriela traz talento e carisma para a tela.

Além dela, o público também acompanha a trupe de teatro de Lola, um grupo talentosíssimo, composto apenas por atores e atrizes surdos, De fato, as sequências de ensaio e apresentação da companhia são o ponto alto do longa-metragem. A encenação se torna mais poderosa aqui, com uma iluminação mais elaborada e uma marcação do elenco um tanto mais criativa. Neste sentido, na verdade, todo o elenco é bem coeso e demonstra uma conexão de contracena.

Isto porque tem uma atenção e uma tensão entre eles que ajuda a elaborar mais sentidos do que está, aparentemente, dentro do roteiro. Desta maneira, é possível dizer que o que não funciona no longa é a sua previsibilidade e alguns quebras ritmicas, que ocorrem nas mudanças de ato para ato. Existem três rupturas desconexas: quando Sol termina o casamento, quando Sol termina o namoro e quando ela decide voltar com Lola. Não há coesão nestas viradas da trama e isso pode cansar e confundir o espectador.

Além disso, toda a história é bastante óbvia. Do início ao fim, cada ação contém uma previsibilidade irritante, porque a plateia já viu tanto filmes como este, que é desgante acopanhar algo tão cheio de clichês e movimentações evidentes. Além disso, apesar de ser interessante não fazer um grande alarde sobre a bissexualidade de Sol – algo raro em produtos midiáticos!! Essa que vos escreve tem uma tese de doutorado sobre isso e garante que há algo de inteligente nessa representação de Sol -, não há um pingo de reflexão sobre os sentimentos dela.

Sol é meio que conduzida pelas outras personagens e fica quase neutra diante de sua própria vida. Ainda que ela tenha voltado a fotografar, começado a namorar uma mulher e relembrado LIBRAS etc., tudo parece cair em seu colo. Ela não parece dona de seu próprio destino, tampouco sua personalidade e seu passado são postos em pauta. Por exemplo: quem é seu irmão? Como ela lida com a ausência dele? Quais são seus pensamentos sobre sua sexualidade? Por que ela trabalha como professora?

Nada disso precisa ser dito verbalmente, seja em português ou em LIBRAS, porém Sol fica um tanto rasa, diante desta ausência de investigação sobre ela. Além disso, a personagem de Miguel (Octávio Camargo) parece atrapalhar essa elaboração maior de Sol. Não apenas isso, mas ele também profere frases racistas e elitistas e tudo isso passa batido em cena. Por isso que, Nem toda história de amor acaba em morte parece bem intencionado e esforçado, mas fica somente na superfície, sem tocar nas feridas que ele mesmo traz para o ecrã.

Sem explorar nenhuma relação ou ação com maior propriedade e entregando um enredo cansativo e previsível, a sessão é morna. Com alguns pontos altos visuais – como na sequência do parabéns para Lola ou no espetáculo de sua trupe – e com uma tentativa de boas representações de sáficas e surdos, essa é a típica obra que precisa existir, porém apenas como um ponto de partida. Um filme como esse não pode ser colocado à margem, precisa ser visto e debatido.

Se esta exibição for um start para novas produções com representatividades e narrativas bem feitas, então, excelente, ela já cumpre o seu papel no mercado audiovisual brasileiro. Todavia, essa é uma discussão profunda, que rende uma extensa conversa sobre linguagem versus discurso, algo antigo e intenso em termos de debates sobre o cinema, sobre a arte. Contudo, o que vale deixa registrado nessa humilde crítica é a coragem e a força de Bruno Costa – diretor e roteirista do filme -, o talento do elenco e a consciência política e social da produtora paranaense Beija-flor filmes.

Assim, fica o desejo que mais produções com mulheres sáficas e/ou pessoas surdas e ensurdecidas estejam florescendo e despontando no cinema nacional. Com isso dito, que estas obras tenham mais investimentos e mais qualidade fílmica em seu resultado final.