Inserir o espectador de maneira profunda na geografia de um espaço fechado pode ser um grande desafio. Em Casulo, Aline Flores consegue transcrever as angústias de sua personagens, através de seu roteiro, sua direção e atuação, a partir da lógica da locação.
Em alguns cômodos de um apartamento, o espectador se depara com a depressão pós-parto de Joana. A iluminação garante esse fomento do olhar para a protagonista e seu sofrimento, através do jogo de luz e sombra e das temperaturas convocadas para cena.
Há muito do azul claro, mas também de um amarelado, que fica entre bege e mostarda. A dor de Joana é melancólica e a deixa sem viço, sem energia. Neste sentido, o roteiro e a direção conseguem explorar bem a progressão deste sentimento de desespero de Joana.
A jovem está sempre nervosa e apreensiva, porém com gradações distintas. Os planos detalhes ajudam nessa composição de pânico de Joana. Através dos elementos visuais estampados no corpo da personagem — as feridas por conta do skin peaking —, quem assiste compreende o que ela está atravessando e a gravidade disto.
Apesar das marcas do corpo não serem tão bem feitas em termos de maquiagem, o fato de Joana se ferir e se isolar transformam a projeção em uma obra de suspense e quase de terror também. Esta que vos escreve não é mãe, porém a maternidade também convoca este aspecto de horror e Casulo sabe trabalhar isto em suas visualidades.
O uso da luz diegética e a pouca utilização de planos muito abertos fomentam a ideia de sufocamento deste terror social. Em termos de construção de narrativa, Flores não subestima a plateia. A artista vai introduzindo cada elemento sobre Joana aos poucos, sem verbalizar tanto.
Um dos pontos altos é o corpo desta mulher em depressão. Ao invés de ir para algo comum de lentidão e retenção, Aline Flores aumenta o titubear de sua personagem, com uma aceleração contida que imprime na tela a sua confusão mental e sua batalha interna.
Por fim, em termos de destaques positivos, há o jogo de cena criado por Aline para mostrar a tensão entre ela e a assistente social. Para além do fato de que, com a chegada desta figura de poder na trama, há o momento de reviravolta que o espaço da casa e o corpo de Joana se transformam.
Assim, a atuação das intérpretes conta com olhares de cada uma, elevando a potencialidade da suspensão elaborada no ecrã. Elas se investigam com os olhos, aumentando a tensão e estabelecendo mais uma camada de sentido. É quase como uma gangorra ou um jogo de ping-pong.
As duas sabem ou intuem o que se passa, não dizem em voz alta, mas mostram no olhar. Além disso, há uma transformação nítida na noção de tamanho de espaço, que revela como a protagonista estava se fechando em um casulo. Quando Joana precisa sair desta clausura, a luz natural invade o local, a câmera a acompanha por outros cômodos e quem assiste percebe ainda mais a gravidade da situação da personagem.
Talvez, dentro de toda essa lógica fosse preciso apenas criar mais camadas em relação à personalidade de Joana, para que ela fosse mais do que esse momento adoecido. Elementos da arte, como adereços e objetos de cena, poderiam ajudar nessa elaboração.
De toda maneira, Casulo entrega uma reflexão importante, através de um bom exercício de técnica cinematográfica. Ainda que falhe em contar quem é Joana na vida, o recorte daquele momento da vida daquela personagem é bem elaborada e pode mexer com a plateia de forma profunda.
Direção: Aline Flores
Elenco: Aline Flores, Martin Flores, Bruna Massarelli