Existe uma qualidade suprema na arte, que é a de transformar em palavras e imagens sensações, experiências, traumas, tanta coisa que é um dos espaços mais intensos para habitar.
Sendo artista ou consumidor, neste lugar, é possível até mesmo encontrar a cura para alguma dor. Toda essa digressão é para introduzir a crítica do primeiro curta-metragem da cineasta Louise Fiedler.
Com uma tradição na área de assistente de direção, Fiedler se entrega completamente em seu novo projeto. Mas, não apenas ela. Toda a sua equipe parece estar afinada nesta imersão e na vontade de fazer cinema.
Através de uma mistura de drama, terror e suspense, A Caverna é um filme sobre um dos assuntos mais difíceis do mundo: relação mãe e filha. Para tratar da temática, a diretora e roteirista conduz o espectador.
Ela o faz segurando-o quase pela mão, ao dizer: essa aqui é a minha história, gostaria de mergulhar nela? Para realizar tal intento, o curta começa em uma perspectiva cotidiana.
Em uma casa bem iluminada, o público passa a acompanhar a dinâmica da mãe (Saravy) e da filha (Nathalia Garcia). Neste sentido, gradativamente, a claridade vai dando espaço para as sombras, com a história se revelando aos poucos para o espectador.
Além disso, as tensões entre a dupla central também vão se ampliando. No clímax destes tensionamentos, no qual uma espécie de jogo de xadrez metafórico vai se formando dentro da encenação, a trama tem uma virada.
A partir do plot twist, o cenário é outro e a plateia se depara com uma caverna, que é completamente equipada em termos objetos de cena e luz.
Além do trabalho coeso das atrizes, que continuam estabelecendo a dinâmica de tensão e relaxamento construída no apartamento, a fotografia e a direção de arte impressionam.
Em um local tão desafiador para uma locação, as imagens possuem profundidade, textura e camadas, assim como as metáforas produzidas pelo roteiro de Fiedler.
Quanto mais a filha adentra na caverna, mais quem assiste compreende as dificuldades das personagens. Dentro desta dinâmica, Louise Fiedler consegue a proeza de discutir depressão, síndrome do pânico, amor e relacionamentos de forma refinada.
Até porque, mesmo que aqui a relação seja de mãe e filha, o texto abre espaço para identificações plurais, por conta dos signos elaborados no ecrã. A caverna como esse local de aprisionamento ao relacionamento tóxico e a dependência emocional mesmo.
Assim, o mito da caverna, juntamente com o talento da equipe de Fiedler, faz da sessão uma interessante experiência. A única questão que incomoda na projeção é a “limpeza” estética. Falta na obra um pouco de caos, para que o sentido textual se aplique ao visual.
Um granuladinho talvez ajudasse. Mas, nessa equipe, que parece um tanto “nerd” — no melhor sentido da palavra —, há uma ausência de descontrole. Veja bem, o cinema é um ofício, como qualquer outro. No entanto, não é um ofício como qualquer outro.
A higienização das imagens e as interpretações milimetricamente controladas — mesmo com todo o caos que gravar em uma caverna possa convocar —, criam um pequeno distanciamento.
Desta maneira, algumas passagens soam forçadas, como no desfecho do curta, quando a filha vai embora e fica uma sensação de “depois de todo esse pico de emoções, era só isso?”
Ainda assim, A Caverna brilha ao trazer discussões profundas com bastante qualidade técnica. Sem apelar para o piegas que um relacionamento mãe e filha pode ter na ficção, Louise Fiedler e sua equipe se valem de elementos imagéticos e textuais intensos e criativos.
Mesmo que o desenho de som não seja tão expressivo quanto poderia ser em todo esse cenário e da atmosfera hiper controlada, a obra é um importante título para o cinema nacional.
Direção: Louise Fiedler
Elenco: Nathalia Garcia, Saravy