Por vezes, intenso, emocionante e avassalador. Por vezes, histriônico, descuidado e constrangedor. Grande Sertão, de Guel Arraes e Flávia Lacerda, é uma montanha russa de sensações. Em sua visualidade lavada e cheia de CGI aqui e ali, a intenção desta adaptação de Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa, é a de atualizar a discussão sobre questões sociais profundas, do crime e da desigualdade, levando a pauta para o contexto urbano.
No entanto, a estética visual é artificial, a escolha pela manutenção da linguagem original do livro não bate com a qualidade do trabalho de todo o elenco e a direção esquece de criar ritmo para a produção. Mais uma vez, esta que vos escreve precisa lembrar para o mundo que o frenesi das batalhas e das emoções dilacerantes só podem ser sentidos pela plateia caso hajam contrastes.
A aceleração incessante dissolve o estabelecimento de tensão, que parece ser o que Arraes e Lacerda desejam. A decupagem e a mise-en-scène exploram todos os níveis, campos, ângulos e movimentos – incluindo o uso do Dolly Zoom, que é um efeito sensacional, mas nem sempre necessário –, o que é bom e ruim ao mesmo tempo, porque a inventividade dos cineastas envolvidos na produção é nítida, cristalina, mas a utilização frenética de recursos afasta a equipe do longa-metragem do mais importante aqui: a narrativa.
A sessão se transforma em exaustiva, as personagens perdem a força e o tom elevado ganha espaço. Não há organicidade na tela. Há uma suposta vontade em mostrar, em criar algo novo e criativo., porém sem gradação, no vazio do entregar por entregar, para dizer que fizeram algo novo – que nem é tão novo assim. Nessa trajetória torta, o foco principal se esvai.
É bastante complicado criar empatia com as personagens, por exemplo. Sem torcer por alguém, ou quase ninguém, o desafio de chegar até o final da exibição se intensifica, principalmente em termos de escrita. A manutenção das estruturas da obra original, versus a inabilidade de alguns atores de dar conta desta estilística, influencia diretamente nesta impressão de artificial, entediante e, ainda, é pretensiosa.
Essa carga, porém, tem dois pólos. De um lado, Caio Blat, Eduardo Sterblitch e Luís Miranda, procurando encontrar uma fisicalidade e vozes para seus papéis, que se encaixem na dinâmica do longa, mas que não percam a qualidade básica de construção. Não importa se estamos falando de qualquer tipo de estética e linguagem ou de formato, seja no cinema, no teatro, na TV, comédia, tragédia etc., existe a verdade da personagem e é nessa onda que o intérprete precisa mergulhar.
Quanto mais externalizado, mais é notável sua falta de coesão com a obra. Caio, Eduardo e Luís não. Eles dão o tom farsesco e convocam o corpo não cotidiano para a cena – são os que mais fazem isso, inclusive –, mas o sentido geral da produção permanece e isso faz com que suas ações e textos verbais façam sentido e sejam críveis. Do outro lado, temos Rodrigo Lombardi e Luísa Arraes, que fazem seus papeis de fora para dentro, em uma externalização que evoca mais uma representação do que uma interpretação, de fato.
Em algumas sequências, como na com Diadorim ensinando Riobaldo a atirar, o constrangimento pode se espalhar pelo corpo. Não há um gesto, movimentação ou fiscalização de Luísa que não seja preenchida de micromovimentos sujos, que ocorrem porque ela subestima a plateia e se desespera em demarcar que ela não performando feminilidade, mais do que se conectar com a trajetória de Diadorim.
Dentro de toda essa lógica caótica, é admirável a tentativa de atualizar o discurso de Guimarães Rosa – que revela que ainda somos os mesmos -, é a admirável a tentativa de criar um épico eletrizante e é admirável que a distribuidora tenha tido coragem de lançar o longa. Ainda assim, é uma pena ver tantos talentos desperdiçados e gastar quase 2h de vida para consumir uma obra tão engessada e caótica.
Direção: Guel Arraes, Flávia Lacerda
Elenco: Caio Blat, Luísa Arraes, Luís Miranda
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