Em junho de 2024, a equipe do Coisa de Cinéfilo conversou com os realizadores Victor di Marco e Márcio Picolli, em Recife, no 28º Festival Cine PE. De lá para cá, o curta-metragem já foi selecionado para festivais como Festival de Cinema de Gramado, MixBrasil, Kinoforum e no Festival de Cinema de Vitória. Através de uma mistura de biografia com mocumentário, o filme narra a história de Ian, rapaz Pcd, que está internado em uma instituição psiquiátrica.
Além do roteiro e direção, Victor também é o protagonista do curta. Sobre Ian, o artista revela que as camadas dele foram elaboradas progressivamente. À medida que as gravações aconteciam, detalhes sobre Ian, a estilística e o tom da produção se tornaram mais palpáveis quanto mais a equipe investigava e compreendia os meandros da narrativa que estavam criando. “A gente tinha uma ideia muito fixa de como seria esse personagem, que ele seria alguém mais duro assim, no início. Só que daí a gente começou a perceber que existia um humor ali também”.
Mas, a conversa foi além das temáticas sobre Zagêro em si, passando por diversos pontos, pessoais e profissionais da dupla, desde o fato que Victor e Márcio são casados até detalhes sobre como ambos entraram na área do cinema e informações sobre a nova produção deles.“Nós a sós” é a obra mais recente do casal e está em processo de pós-produção, após as gravações, que aconteceram no final de 2024. Aproveitando o gancho, trazemos para os leitores do site este papo, que tem o objetivo de apresentar um pouco para o público o trabalho dos dois artistas. Confira!
ENTREVISTA
ENOE LOPES PONTES – Como vocês se conheceram, como foi o processo de formação de vocês? De repente, tem aquela coisa do “Ah, conheci na faculdade” ou na vida mesmo. Como foi esse encontro de vocês, para se tornar uma parceria?
MÁRCIO PICOLI – O meu encontro com o Victor começa antes do trabalho. A gente se conheceu e, daí, a gente começou a ter um relacionamento, só que o Victor era de uma outra área. Ele também era da arte – plásticas -, mas estava tentando sair, e eu da crítica de cinema. Então, a gente começou a namorar, a ter nosso relacionamento e chegou um momento que eu decidi mudar a minha vida. Eu iria sair da crítica e começar a fazer filme. E o Victor também, ele estava percebendo que as artes plásticas não eram bem a área dele e a gente acabou se juntando e percebendo que, na verdade, nós dois queríamos fazer cinema. Então, a gente compartilhava essa vontade pela arte, mas a partir do momento que a gente começou a se alinhar na carreira meio que juntou. E sempre fez muito sentido a gente trabalhar junto, porque temos ideias criativas muito diferentes, mas que se complementam. Então, meio que essa parceria começou aí. E já estamos chegando em nosso quarto curta! Daqui a pouco teremos um longa filmado (Nós a Sós, que já foi filmado, meses após a entrevista)..E no Cine PE é a nossa segunda vez, agora com Zagêro, porque o primeiro foi O que pode um corpo, que foi em 2020, na pandemia e então foi aquela coisa on-line e, agora, a gente está aqui no presencial, com Zagêro. Então, está sendo um processo muito emocionante voltar para cá, no presencial e viver o que a gente tinha imaginado viver, em 2020.
ELP – Vocês namoram ainda?
MP – Hum rum.
ELP – Ai, amei!! (risos).
MP – A gente ainda tá bem, ainda tá junto. (risos).
ELP – Ai, que fofos, vocês combinam muito! Achei que era só impressão minha (risos). Mas, agora, indo mais para uma questão de construção de personagem. Eu percebi que ali tem uma construção muito imbricada, tem momentos que dá para perceber que são mais pessoais, que são mais você, Victor, tem momentos que são várias personagens diferentes e, ao mesmo tempo, têm os momentos que a gente vê que é você, o realizador, que tem mais distanciamento. É bem complexa essa rede de construção de personagem. Como é que aconteceu esse processo de criação para o filme?
Victor di Marco – Na verdade, a gente começou a ensaiar o texto uns cinco meses antes de filmar. Daí, a gente tinha uma ideia muito fixa de como seria esse personagem, que ele seria alguém mais duro assim, no início. Só que daí a gente começou a perceber que existia um humor ali também. Porque eu também percebi que eu estava subestimando o personagem. No sentido de achar que ele já seria aquela pessoa revoltada, que sofre muito. Como aquele cara já está lá há muito tempo, óbvio que tem um humor ali também. Uma coisa que me ajudou muito foi que, quando eu fiz faculdade de psicologia, eu fiz estágio no Hospital Psiquiátrico São Pedro, que foi onde a gente gravou. Então, a convivência com as pessoas de lá, me deu muito dessa visão de como era. Uma outra questão também, que eu acho muito forte, sempre que eu vou atuar, eu gosto muito de pensar que atuar é mágica, atuar é o sensível e quando a gente entrou na ala do hospital psiquiátrico, aquelas histórias vieram para mim também. Então, tinha o Ian, mas tinha muita gente naquele corpo ali também.
ELP – Eu acho que um dos momentos mais fortes é aquele momento que você está no espelho e depois sai andando. Ali, tem aquela coisa dessas camadas da personagem. Por isso, uma outra coisa que eu fiquei pensando foi sobre a utilização desse espaço. Tem uma geografia de cena muito bem delineada, mas, ao mesmo tempo, não é uma demarcação tão forte ao ponto de…Por exemplo, na cena do colchão, são lugares diferentes, mas ao mesmo tempo, com uma demarcação de espaço muito forte. Como foi que vocês mapearam esse espaço e pensaram na mise-en-scène, como na decupagem, por exemplo, pensando nesse espaço, que é um espaço tão pesado?
MP – A nossa ideia, desde o início, é, como a gente fala que é um filme que brinca com esse estereótipo, ao mesmo tempo, tentando trazer esse dualismo, mas brincar com aquele estereótipo e o que não é, o que é expositivo e o que não é. Então, quando a gente estava buscando esse lugar, a gente começou a se dar conta de que fugir do expositivo era quase impossível, porque a arquitetura do lugar está o tempo inteiro trabalhando numa pressão, desde a porta que não vai até uma altura, ela é mais baixa. Ou seja, ele é mais apertado. Desde aquele corredor que não é aberto, é um corredor que fecha para dentro. Então, tudo lá gritava que você não está num lugar que você é livre. Então, a gente começou a pensar nisso, de como brincar com essa dualidade, mas, ao mesmo tempo, entendendo o que era aquela história e de forma nenhuma fugir daquela história. E eu acho que a gente conseguiu isso muito por a gente estar naquele lugar, mas por fazer essa concessão de o plano estar o mais parado possível, para brincar também. Então, é o tempo inteiro brincando com esse gênero e com essa ideia do tragicômico, porque tem muito disso. Então, eu acho que tudo isso se completa com a escolha da locação também.
ELP – Inclusive, quando eu assisto aos filmes, eu anoto para escrever depois. Aí, na cena da cozinha, eu anotei “ih, estava indo bem, mas agora colocaram diálogo expositivo”. Aí, logo depois, vocês dizem “ah, está muito expositivo isso daqui”. Então, eu pensei, ah, bacana, está consciente isso. (risos).
VM – Sim!
ELP – Mas, você falou da questão da movimentação de câmera, como funcionou o processo de filmagem do (clipe) Pcdzinha? Porque é uma quebra bem importante ali, bem Brechtiana e é um dos momentos que tem mais movimentação de câmera. Então, como funcionou o processo de criação dessa sequência que é o clímax do filme?
VM – É isso, a gente filmou de uma forma muito coletiva. Assim, a gente tinha uma ideia do que a gente queria com o clipe. Aí, Ma, que é nosse diretore de foto, deu muitas ideias também. Porque a gente só ia filmar o clipe até aquela parte que ele sai do bolo e vai até o fim do corredor.
ELP – Hum rum…
MP – Aquela parte mais externa ali.
ELP – Sim.
VM – Aí, Ma veio com essa, sempre que a gente rodava uma cena, a gente fazia algum delírio dessa cena, que foram os inserts. Tipo, o Ian…
MP – Rebolando na frente do diretor…
ELP – Hum rum…
MP – Toda aquela coisa do banho.
VM –Então, cada cena que a gente ia gravando, a gente fazia uma cena adicional só para o clipe.
ELP – Ah, que legal.
VM – Sim, foi ideia da Ma, que é nosse diretore de foto, que teve esse resultado maravilhoso, né?
MP – E o que eu acho que funciona também é que tem uma troca de câmera muito óbvia ali. Porque a gente estava o tempo todo filmando com uma câmera de cinema, que, se eu não me engano, a gente gravou com uma Red. Aí, quando vai para a “Pcdzinha”, a maioria dos clipes foram gravados com celular.
ELP – Por isso que dá essa…
MP – Por isso que dá uma estranheza, porque quando a gente vai ali para fora, já é tudo do celular. Então, além de demarcar, de brincar mesmo com isso de: o quanto a linguagem também vai se modificando e isso ajuda também na estética. E essa ideia que foi de Ma, de “não, isso aqui vamo filmar com celular”, é isso também, porque a gente está falando de um filme que foi filmado com uma câmera, mas agora é um delírio. Então, faz todo sentido a gente também fugir desse tradicional do cinema.
ELP – Dá para perceber que tem mudança de câmera, mas eu não pensei que fosse de celular, porque o traço da imagem está muito bem acabado.
MP – Sim.
ELP – Porque a gente, assim, até a geração millennial, tem a impressão de que imagem de celular vai ser aquela coisa granulada…Mas, dá para perceber que tem uma mudança de…
MP – Porque é isso, a ideia não era ficar aparente que era um celular, mas sim algo que desse essa quebra…
ELP – Perfeito.
MP – Porque a gente não tinha dinheiro para dizer assim, vamo trocar uma Red por uma Black magic? (Risos). Não, vai ser o celular (risos). Não é? Aquela coisa…
ELP – Sim! Agora, a pergunta mais clichê, mas que eu mais amo é: e de agora em diante, quais são os projetos, o que vocês estão pensando? Vocês falaram de longa também e vocês têm uma produtora. Fala um pouco sobre isso, por favor.
VM – A gente passou o mês de março e abril (de 2024) na pré-produção do nosso longa, que a gente ia começar a gravar no dia 05 de maio. Só que a gente é de Porto Alegre. Aí, no dia 03, foi quando a cidade parou por causa das enchentes.
ELP – Sim.
VM –Então, a gente já fez já a pré inteira do nosso longa, a gente já estava a dois dias de começar a gravar e aí parou tudo. Então, a gente ainda está sem previsão de quando a gente vai gravar, mas esse ano, acredito que a gente grava.
MP – E o longa se chama Nós a sós e é uma co-produção da Balde de Tinta Filmes, que é a nossa produtora, com a Proa & Popa, são duas produtoras gaúchas, que inclusive produziu todos os nossos filmes junto com a gente. Então, ela também é co-produtora do Zagêro. Então, já é uma parceria de longa data. E temos aqui também uma continuação da temática, temos uma personagem, que é interpretado pelo Victor também, que é protagonista do filme. A gente meio que vai criando as nossas oportunidades, quando elas não vieram de outros lugares.
ELP – Hum rum.
MP – Então, eu acho que muito da nossa carreira e da carreira do Victor é a gente dar essa oportunidade para ele. Então, a gente segue um pouco dessa temática, mas a gente vai para a ficção, para uma narrativa um pouquinho mais tradicional, mas também nunca dá para dizer que a gente é tão tradicional.
ELP – É, me veio aqui isso na cabeça agora de, justamente, se vocês têm noção dessa habilidade que vocês têm de realização, talvez, de produtos transmidiáticos, porque…isso vai além da entrevista aqui (risos), mas com essa coisa de fazer o clipe e de fazer, de repente, um curta dentro do longa, como vocês disseram.
Confira o clipe de Pcdzinha: https://www.youtube.com/watch?v=GcdOQTsD5eo