Desde as eleições de 2018, o país caminha para uma ruína anunciada. Entre decretos absurdos, impactos econômicos e a chegada de uma pandemia mundial – completamente mal gerenciada pelo governo -, brasileiros procuram sobreviver de alguma maneira. Todos estes sentimentos de angústia, desespero, mesclados ao isolamento estão presente no filme de Allan Ribeiro, O Dia da Posse. Para convocar estas discussões, Ribeiro faz isto através de uma figura central: Brendon Washington.
Em um roteiro assinado pela dupla, Ribeiro e Washington, o público encontra a trajetória de Brendon, as suas vivências, reflexões, sonhos, decisões e brincadeiras presentes em seu imaginário. Vindo de uma origem humilde, nordestino e de uma geração que cresceu nos governos PT, Brendon tem em seu discurso reflexões pungentes sobre política, cultura e direitos humanos. A grande questão aqui é justamente este jogo criado por Allan Ribeiro para contar esta história, para mostrar a personagem carismática e assertiva que Brendon é.
Em sua decupagem, a direção se vale recorrentemente de planos mais fechados, nos quais o espectador consegue enxergar cada detalhe do rosto ou do corpo de seu protagonista. Desde seus olhos que se movimentam velozmente ou sua respiração descompassada, há uma intimidade criada a cada plano. Já nos cortes para quadros mais abertos as janelas dos vizinhos ou de pássaros que voam são revelados, por exemplo, emitindo um tipo de tom poético, que causa uma mistura de sentimentos em quem assiste O Dia da Posse.
Isto porque Ribeiro é cuidadoso em juntar falas fortes e apaixonadas de Brendon com o que há de externo ao redor deles, que estão inseridos neste aprisionamento de um apartamento, durante o período da pandemia. Os instantes de voyeurismo do cineasta também contribuem para esta lógica de dimensão do real que ele parece desejar causar. Enquanto Ribeiro filma um Brendon supostamente distraído, identificações podem ser criadas. Nas chamadas de vídeo do rapaz com os colegas de faculdade, todas as situações recentes das eternas ligações por Zoom, das aulas e reuniões remotas e das frustrações pela derrocada da educação brasileira são postas na obra sem um grande esforço aparente.
É aquele velho pensamento ganhando vida: o que as pessoas estavam fazendo de suas vidas enquanto a sua nação desmoronava? A resposta está, de alguma forma, neste média-metragem: o que todes fazem é procurar seguir e encontrar formas de resistir aos caos, à um sistema corrompido que visa derrubar as massas oprimidas pela sociedade. Contudo, tudo isto não está posto em um tom pesado, é válido ressaltar. Pelo contrário, a dinâmica de O Dia da Posse reside em registrar a ótica de Brendon diante deste cenário.
É uma perspectiva de partes específicas da população, aqui reunidas neste jovem do Nordeste, homossexual, de poucos recursos financeiros, que foi morar no Rio de Janeiro para estudar Direito e Medicina, porque via na televisão a cidade como algo mágico e especial. Não à toa, ele diz em um dado momento que se sente “carioca de alma” e fantasia com sua entrada no reality show Big Brother Brasil. Todavia, é dentro desta própria construção, que algumas questões fazem com que o resultado geral não seja tão efetivo.
Em termos de enredo, a inserção da família de Ribeiro, por meio de chamadas de vídeo, é um jeito de criar algum respiro desta carga energética alta de Brendon. No entanto, estes momentos interferem na progressão do filme e se distanciam do objetivo central, pois quebram com atmosfera que vinha sendo construída. Há uma imersão forte e estabelecida com aquele universo da dupla, o que vem de fora parece sobrar. Até porque o que vem nesses diálogos de Allan com os parentes é só um reforço falado, do que anteriormente se foi dito imageticamente. Talvez, diminuir a quantidade de ligações fosse uma saída para a redução desta sensação de interrupção em O Dia da Posse.
Além disso, a câmera de Allan Ribeiro parece um tanto ansiosa e incerta. A seleção de planos e movimentos tem seu lado positivo, mas há uma demora de estabilização da imagem. Em algumas sequências, isto faz parte do jogo entre Ribeiro e Washington e imprime efeito cômico. Contudo, no geral, as trocas de foco, as mudanças fortes de luz e os zooms repentinos são quase como um susto durante toda a projeção. Este fator é frisado, porque esta é uma história que precisa de uma imersão e quando o desenlace com ela é contínuo, a sessão parece se alongar e a mente a divagar para outros lugares.
Por fim, é possível dizer que mesmo que Brendon Washington seja embebido de tanto carisma e um passado relevante de ser explorado, a escolha de realizar um média de 70 minutos, dentro de uma mesma residência, com cenas bastante similares é um tanto complicada. Todas as ações caminham para um fluxo circular, na qual sempre se retorna para um mesmo lugar e se caminha para as mesmas direções. Isto faz com que a própria narrativa não seja tão amarrada como poderia, deixando o desfecho solto. Ainda assim, O Dia da Posse é uma experiência especial por apresentar um homem tão semelhante ao povo brasileiro, mas tão singular em sua caminhada.
Direção: Allan Ribeiro
Elenco: Brendon Washington
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