Entre crises familiares, financeiras e a exploração das relações humanas, Carro Rei se vale também de uma fantasia em seu plot para fomentar as discussões que deseja promover. Colocando o seu protagonista, Uno (Luciano Pedro Jr.), como alguém que consegue se comunicar com automóveis, a trama gira em torno de como a descoberta do poder de comunicação e interação com os carros pode afetar toda uma população.
Contudo, mais do que isso, o filme parece desejar investigar as reações do jovem Uno diante de todos os elementos que o circundam. Seja com seu pai marrento (Adélio Lima) ou Zé (Matheus Nachtergaele), seu peculiar tio, Uno se vê aflito entre as escolhas que gostaria de tomar, o futuro que já parece estar traçado para ele, bem como o fato de que ele conversa com veículos, desde a infância.
Neste jogo entre trabalhar as etapas de amadurecimento e relação de Ninho com o mundo e apresentar esta espécie de distopia tecnológica, na qual carros planejam dominar os humanos, o longa-metragem acaba por não conseguir equilibrar narrativamente tudo que ele convoca. Isto porque são postas diversas subtramas, junto com o desenvolvimento da premissa principal. Desta maneira, são muitos conflitos, enlaces e desenlaces para dar conta.
Com isso, a jornada de Uno é truncada e os coadjuvantes do longa ficam planificados. Suas questões e sentimentos soam rasos, pois não foram destrinchadas. Este fator compromete o caminhar da produção e, principalmente, o espaço de Uno, que fica refém da ação de todos que estão à sua volta. Passivo diante de tudo que ocorre e mudando de motivações a cada sequência, a sensação que o espectador pode ter é a de que a sessão vai se arrastando e dando voltas até chegar, finalmente, no seu ponto principal.
Apenas no terceiro ato, depois de terem sido expostos retalhos de acontecimentos, com um Uno perdido, a exibição parece se encontrar e se encaminhar para seu desfecho com uma coerência maior. Ainda assim, figuras como Zé – que conta com uma atuação afinada de Nachtergaele – ficam soltas, sem ganhar um sentido mais palpável para existirem na obra. Talvez, a maior impressão que fique sobre Carro Rei é uma vontade de imprimir imagens e textos cool apenas.
A direção de Renata Pinheiro (Açúcar) e a fotografia de Fernando Lockett (Oscuro Animal) são coesas e causam um efeito impactante em algumas cenas, como no momento em que todes são convocades para ir de encontro ao sistema político, que está proibindo a circulação de carros antigos. A escolha de temperaturas mais frias, na maior parte da projeção, em um longa com momentos de tanta passionalidade das personagens, por exemplo, é uma estratégia que acrescenta a construção de atmosfera e fomenta traços de personalidades daqueles indivíduos presentes ali.
Esta é um tipo de pista que irá ser revelada posteriormente, algo que mostra para o público os traços maiores e menos de ganância dos indivíduos. Além disso, a ingenuidade e sensibilidade de Uno e seus colegas de faculdade são vistas não apenas nos diálogos, de forma passageira, mas nas cores mais quentes, que surgem na tela de quando em quando, e nas locações com a presença forte da natureza.
Entre árvores, plantas, flores e água que sai da mangueira, a juventude trazida no filme é como um respiro dentro daquele contexto de ambição incisiva. Assim, entre falhas e acertos, Carro Rei peca por não saber direcionar a boa história que possuía nas mãos. Apesar de conter aspectos visuais cativantes, ele não consegue se safar de ser uma experiência cansativa, perdida e morna.
Direção: Renata Pinheiro
Elenco: Luciano Pedro Jr., Matheus Nachtergaele, Adélio Lima
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