Lançado nos cinemas brasileiros no início de 2001, Contos Proibidos do Marquês de Sade teve uma repercussão modesta nas principais salas do país. No entanto, esse requintado trabalho do diretor Philip Kaufman (o mesmo de A Insustentável Leveza do Ser e do recente Hemingway e Martha), ganhou uma popularidade crescente quando chegou às locadoras em sua versão para Home Video, sobretudo em tempos de ascensão da comercialização de DVDs. Na edição do Oscar daquele ano, o filme concorreu a três estatuetas, melhor direção de arte, figurino e melhor ator para o australiano Geoffrey Rush, brilhante como o Marquês de Sade.
O longa se passa na era Napoleônica, quando o Marquês de Sade, conhecido por seus romances eróticos, é internado em um manicômio. Logo ele estabelece uma relação de cumplicidade com dois jovens vitais para o funcionamento do local, o administrador e orientador espiritual interpretado por Joaquin Phoenix e lavadeira Madeleine, vivida por Kate Winslet. Preso e vetado pelos poderosos de pôr para fora seus pensamentos mais obscenos, Sade acaba encontrando meios para publicar seus contos, o que desperta a fúria de um médico, interpretado por Michael Caine, disposto a impor regras e tratamentos mais rígidos no sanatório.
Além da precisão com que aspectos como direção de arte e figurino se alinharam em prol de uma reconstituição impecável da época, Contos Proibidos do Marquês de Sade tem uma fotografia primorosa de Rogier Stoffers que procura transformar cada quadro do longa em uma verdadeira pintura do seu tempo. Obscuro, provocativo, sujo e sinuoso, Contos Proibidos do Marquês de Sade utiliza uma passagem na vida dessa icônica figura da literatura popular mundial para questionar o que é realmente mais sadio: reprimir nossos impulsos e desejos sexuais ou expô-los mesmo que isso provoque escândalo e repulsa social? O que é mais reprovável e o que causa maiores danos?
A direção de Kaufman, como de praxe, tem momentos isoladamente interessantes e autorais. Contudo, é a direção de atores que mais chama a atenção nesse trabalho do realizador. Geoffrey Rush entrega uma performance memorável como um Marquês de Sade provocador e perigoso, um homem refém da sua própria loucura mas que também sinaliza aos demais personagens que nenhum deles é superior a ele por não expor suas mais estranhas fantasias. Kate Winslet vive de maneira delicada Madeleine, a heroína da fita, uma jovem que oscila entre a inocência e a curiosidade sexualidade aguçada. Joaquin Phoenix, muito antes de sua maturidade artística com trabalhos como O Mestre e Ela, conduz com precisão o conflito que seu personagem vive por estar entre a vocação religiosa e o desejo de experimentar a vida “mundana”. E, por fim, o sempre competente Michael Caine que empresta sutilezas ao hipócrita Dr. Royer-Collard, um homem que defende determinados valores com muita rigidez, mas que é capaz de realizar as maiores atrocidades em nome deles.