A estreia de Halloween Ends tem dividido opiniões desde sua chegada aos cinemas brasileiros, no dia 13 deste mês. Apesar das ponderações sobre o rumo do terceiro filme da nova trilogia, é inevitável perceber a comoção causada pelo que parece ser o encerramento definitivo do embate entre Laurie Strode e Michael Myers. A história criada pelo diretor David Gordon Green (O Que Te Faz Mais Forte, de 2018) e roteirista Danny McBride (A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas, de 2021) encerra a jornada que deu continuidade ao filme de John Carpenter, lançado em 1978.
Tanto o sucesso de Halloween Ends como as críticas ferrenhas ao longa-metragem vêm de um histórico de mais de quatro décadas de apreciação e falhas. O fã da franquia Halloween já passou por inúmeros altos e baixos ao longo desses 44 anos de lançamentos. Em seus 13 longas – sendo um deles totalmente desconectado da figura de Myers -, a franquia de terror segue diversos caminhos cronológicos para construir diferentes possibilidades narrativas. E, em meio a esses caminhos, nem todas as produções trouxeram os melhores resultados ao espectador.
Para entender o histórico de derrapadas da franquia e, consequentemente, os dois lados da equação sobre o encerramento da trilogia criada por Green e McBride, a equipe do Coisa de Cinéfilo resolveu descrever as diferentes linhas cronológicas que compuseram essas quatro décadas de história no cinema de terror. As cronologias podem ser divididas em cinco linhas narrativas distintas que se iniciam com o filme antológico de Carpenter e Debra Hill e (por ora) se encerra com o mais novo filme de Michael, que está em cartaz nos cinemas brasileiros.
O início do mito sobre o Bicho-Papão
A primeira linha cronológica é a com maior número de longas e, de longe, é a que mais se definhou com o passar do tempo. Tendo tido quase 20 anos de continuidade, a linha narrativa traz Laurie como a irmã mais nova de Myers que teve uma filha, Jamie, e a deu para adoção, na tentativa de salvar a vida da criança. A história se degrada de tal forma que sai de um Michael que é misterioso, indescritível e maligno para uma Figura imortal com uma fixação em matar irmãs e suas proles, com o apoio de um culto. Esse é um breve resumo do que aconteceu com o projeto de Carpenter e Hill ao longo desses primeiros 17 anos.
Apesar de altamente criticado pelo próprio diretor e co-roteirista, Halloween II:O Pesadelo Continua! (1981) ainda tem uma coerência estética e narrativa, mesmo sendo menos poderoso e aterrador que Halloween: A Noite do Terror (1978). Ainda que tenha falhas, a existência do confronto direto entre Laurie e Michael é o que dá sentido à existência da franquia – coisa que é replicada nas outras linhas. A escolha, porém, de justificar a perseguição que Michael faz à scream queen nº1 é um dos maiores problemas da trama. Desmistificando a lenda do horror que a Figura foi em 1978, a franquia começa a sangrar sem parar.
De Halloween 4: O Retorno de Michael Myers (1988) até Halloween 6: A Última Vingança (1995), os produtores não conseguem o retorno de Jamie Lee e decidem substituir Laurie por sua filha. Sem o mesmo carisma e apelo aos fãs, os três últimos filmes desta linha fizeram parte do público perder, aos poucos, o interesse pelas novas matanças do Bicho-Papão. Além de Michael, a única ligação direta com os dois primeiros filmes é a presença de Dr. Loomis. E, nessa busca pelo paciente que ele alega ser o mal encarnado, o personagem eternizado por Donald Pleasence se torna cada vez mais consumido pela loucura.
Numa derrocada sem fim, Halloween 4 e Halloween 5: A Vingança de Michael Myers (1989) tentam levantar a história com uma trama um pouco mais densa do que o último capítulo, mas sem sucesso. Os dois roteiros seguiram caminhos confusos entre si com uma Jamie ora traumatizada, ora seguindo os passos do tio. O resultado infrutífero dessas duas sequências ecoaram em Halloween 6. O último longa desta cronologia termina a jornada numa nota amarga e completamente esquecível com um dos piores filmes já feitos sobre o ícone slasher.
Sem Michael, sem sucesso
A segunda linha narrativa da franquia Halloween só está dentro da franquia por conta do nome. Halloween III: A Noite das Bruxas (1982) coloca a Figura de lado e decide investir numa nova história. Apesar da ideia de trabalhar um dos principais símbolos do Mês das Bruxas, o terceiro filme da franquia é raso. A produção se arrasta e só é suportável por conta do esforço de Tom Atkins (A Bruma Assassina, de 1980, e Fuga de Nova York, de 1981), o qual não é suficiente para salvar a entediante produção.
A ineficiência de Halloween III não agradou os fãs que, como esperado, já não estavam contentes pela ausência de Laurie e Michael. A história das máscaras amaldiçoadas por bruxas existe apenas no imaginário dos aficionados pela franquia. Apesar da falta de interesse do público pelo longa, as máscaras utilizadas nele se tornaram um easter eggs presentes na franquia, como na brutal cena do parque de Halloween Kills: O Terror Continua (2021). Com o fracasso do longa, o grupo que detinha os direitos da franquia penaram por seis anos antes que conseguissem trazer outra vez o Bicho-Papão às telonas.
A volta de Jamie Lee
Três anos após o fracasso de A Última Vingança, os produtores da franquia perceberam que a solução para um novo Halloween seria retornar às origens e colocar a scream queen frente a frente com seu irmão assassino outra vez. Assim surgiu a ideia de Halloween H20: 20 Anos Depois (1998), o filme de aniversário da franquia que marca o retorno de Jamie Lee Curtis (Entre Facas e Segredos, de 2019, e Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, de 2021) ao papel que propulsionou sua carreira.
Para que a nova história tivesse força e sentido, a produção escolheu ignorar as sequências que vieram depois de Halloween II. Ou seja, Halloween H20 funciona como a primeira requel (filme que recomeça a linha temporal de uma saga ao mesmo tempo que continua a narrativa a partir de algum dos longas anteriores) da franquia. Neste caso, os filmes lançados de 1988 até 1995 se tornaram coisa do passado e o público foi conduzido por uma Laurie ainda traumatizada, que fugiu e mudou de nome para reconstruir sua vida.
Com participações especiais como da mãe de Jamie Lee, a eterna Marion Crane de Psicose (1960), Janet Leigh não é o único rosto conhecido de Hollywood que pode ser visto no longa. Josh Hartnett (Penny Dreadful, de 2014 a 2016), Michelle Williams (Depois do Casamento, de 2019, e Venom: Tempo de Carnificina, de 2021) e Joseph Gordon-Levitt (Os 7 de Chicago, de 2020) são alguns nomes no início de suas carreiras que trazem sangue novo à franquia. Com esse elenco de peso somado ao novo caminho narrativo, sem as limitações dos anteriores, Halloween H20 prosperou.
Como o filme recuperou o vigor da franquia, a máquina de dinheiro hollywoodiana não perderia a oportunidade de replicar o sucesso outra vez. Quatro anos após o lançamento de Halloween H20, chegou aos cinemas Halloween: Ressurreição (2002), o pior filme da franquia já feito. A produção falta sentido, bom gosto e uma história digna do Bicho-Papão – mesmo quando comparado ao terror criativo que é Halloween 6. Aqui a franquia perde Laurie mais uma vez e as matanças de Michael Myers se tornam parte de um reality show de má qualidade.
A Figura à la Zombie
Por conta do fracasso na bilheteria, crítica e entre os fãs, Ressurreição foi o último filme sobre Myers por alguns anos. Em 2007, o músico, produtor, roteirista e diretor de terror, Rob Zombie (31, de 2016, e Os 3 Infernais, de 2019), trouxe uma versão sua da história que deu origem ao slasher. Halloween: O Início é o remake que descreve a mesma história vista em 1978, só que de forma mais visceral – característica marcante do cinema de Zombie. No longa, o excesso é a palavra de ordem. Seja nas mortes mais brutais, nas atuações exageradas (em especial no novo Dr. Loomis, interpretado por Malcolm McDowell) ou na violência gráfica e verbal levada a última potência, o remake de Halloween se destaca pelo oposto da sutileza de Carpenter.
Tendo sido seguido por uma sequência, a quarta cronologia da franquia se encerra com uma continuação que extrapola – em todos os sentidos – tudo o que se sabia sobre a franquia. Zombie decide ir além, criando um pano de fundo sobrenatural para as ações de Michael. Esse teor fantasmagórico é o plot de H2: Halloween 2 (2009) que envolve o espírito da mãe de Myers comandando as ações homicidas dele na expectativa de reunir a família outra vez – uma vez que Laurie também é irmã da Figura nesta cronologia.
A violência se eleva ainda mais na continuação, tornando algumas cenas insustentáveis de se assistir. É como se o objetivo do diretor e roteirista fosse enjoar o público com uma narrativa excessiva. Esse é o efeito de Rob Zombie. Criar imagens tão grotescas da Figura que, em alguns momentos, a única solução para o filme parece ser largá-lo pela metade. Com o teor sobrenatural, o projeto não foi amplamente recebido pelos fãs e foi fortemente atacado pela crítica.
A trilogia do fim
Outro resultado do efeito Zombie foi o tempo que precisou ficar afastado da franquia. Desde o lançamento em 1978, o público nunca ficou tantos anos sem um novo capítulo da história da Figura. O nome Michael Myers ficou longe das telas de cinema por 9 anos até que, em outubro de 2018, Green e McBride trouxeram o Bicho-Papão de volta para uma última rodada de sustos. Halloween (2018) marcou o começo do que parecia ser uma próspera e marcante jornada na história da franquia.
A quinta e última linha cronológica também contém quatro produções e é a mais atual, tendo Halloween: A Noite do Terror como seu pontapé inicial. No entanto, assim como fez Halloween H20, a versão de 2018 também funciona como um requel, ignorando todas as produções que aconteceram de 1981 a 2009. Assim, Green e McBride construíram sua trilogia de aniversário (que foi iniciada 40 anos depois do primeiro filme) a partir de uma narrativa de traumas e reminiscências deixadas por essas feridas do passado.
Ainda que Halloween Kills e Halloween Ends sejam criticados por parte da crítica e dos fãs, eles fazem parte da melhor renovação e expansão já feita para a franquia. A nova trilogia consegue absorver a atmosfera do que foi o longa de Carpenter e tenta levar essa aura consigo até o final. Mesmo com alguns percalços narrativos – em especial com uma extensão da história maior do que talvez ela suportasse – o trabalho de David Gordon Green e Danny McBride leva o espectador ao momento mais aguardado nesses 44 anos que é a conclusão do embate entre o bem e o mal.
Com direito a uma cena de luta cheia de emoção e tensão, a conclusão da história da dupla Laurie e Michael é satisfatória e deixará saudade nos fãs. É inevitável lembrar de algumas escolhas ainda nubladas de Halloween Ends, mas os desdobramentos de Halloween Kills já soam mais coerentes do que quando foram lançados. Talvez essa trilogia precise de mais tempo para ser abraçada – ainda que com seus deslizes. No entanto, a pergunta que ressoa é: por quanto tempo deixarão a Figura morta e enterrada? Talvez a jornada de terror de Michael Myers não tenha tido seu fim definitivo, mas só o tempo – e os desejos financeiros de Hollywood – dirá.