Crítica: The Beach Boys – Uma História de Sucesso e Especialista em Crise

The Beach Boys – Uma História de Sucesso

Por motivos comerciais, provavelmente, Love and Mercy, um dos longas norte-americanos do circuito indie mais comentados no ano passado, ganhou no Brasil o título de The Beach Boys – Uma História de Sucesso. Quem dá de cara pela primeira vez com o filme pode pensar que se trata de um longa sobre a trajetória de uma das bandas mais influentes da cultura estadunidense, os Beach Boys. Cabe sublinhar, todavia, que esse filme de Bill Pohland tem como principal interesse apenas um dos elementos do grupo, Brian Wilson. Alternando sua história entre o passado do músico, encarnado por um excelente Paul Dano, e uma fase mais madura, na qual ele ganha a interpretação de John Cusack (tão bom em cena quanto sua versão mais jovem), The Beach Boys – Uma História de Sucesso explora a personalidade do seu protagonista virando-a do avesso.

Nas passagens do filme sobre o jovem Brian Wilson vemos o músico apresentar os sinais do que mais tarde viria a ser diagnosticado como um quadro peculiar de esquizofrenia durante a concepção de Pet Sounds, álbum que é considerado por muitos como a obra-prima dos Beach Boys. Nessa fase também percebemos o perfeccionismo de Wilson e como o mesmo guiou toda a concepção do disco, um marco responsável por oferecer novas perspectivas para a banda que ganhou popularidade com o surf rock. Quando acompanhamos a versão mais velha de Wilson, vemos o quadro clínico do músico se agravar, sobretudo em função das estranhas interferências do seu médico particular Dr. Eugene Landy, vivido aqui por Paul Giamatti. Wilson, então,  acaba encontrando refúgio em sua relação amorosa com uma simpática vendedora de carros chamada Melinda Ledbetter interpretada por Elizabeth Banks.

O mergulho que The Beach Boys – Uma História de Sucesso faz na vida do seu protagonista é eficiente por dispensar qualquer rede de segurança e também por conseguir ser terno com o seu biografado. Pohland consegue ser fiel, retratando Wilson de forma humana, sem deixar de expor sua admiração por aquela figura, algo que em momento algum é revertido em uma abordagem omissa ou covarde a respeito de tudo que acontecera na vida do integrante dos Beach Boys. Entre a fidelidade aos fatos e o afeto por seu protagonista, The Beach Boys – Uma História de Sucesso encontra um interessante equilíbrio sustentado sobretudo pelas performances do seu elenco exemplar. Pohland é certeiro desde a escolha dos atores que dão vida às duas versões de Wilson retratadas no filme, Paul Dano e John Cusack, até à presença solar de Elizabeth Banks, que mesmo dando vida a já clássica figura da esposa ou namorada dedicada do artista em completa instabilidade psicológica consegue oferecer elementos que enriquecem a sua personagem e aproximam o público do drama vivido pelo protagonista do filme. Do grupo, talvez, Paul Giamatti destoe um pouco ao transformar Eugene Landy em um vilão histriônico, mas nada que não possamos dar um desconto.

Dosando muito bem a maneira como se aproxima do processo criativo de Pet Sounds e do drama pessoal de Brian Wilson, The Beach Boys – Uma História de Sucesso é uma cinebiografia marcada pelo bom senso dos seus realizadores. É um filme que reverencia o seu protagonista e tem um genuíno afeto por ele, mas não adota uma postura subserviente na maneira como lida com esse sentimento, sabendo explorar os demônios pessoais do seu biografado e também cativar o público com a costura de relações, situações e personagens capazes de produzir identificação e empatia com o espectador. O longa não chega a promover grandes revoluções na proposta, mas possui propósitos muito sinceros e consegue executá-los em uma narrativa comedida e regular em suas duas horas de duração.

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Especialista em Crise

Lançado em outubro de 2015 durante a temporada de prêmios norte-americana, Especialista em Crise foi um fiasco nas diversas frentes em que precisava obter êxito: não foi muito bem nas bilheterias (uma decepção que acumulou cerca US$ 7 milhões em sua carreira, algo preocupante se considerar que leva no seu cartaz o nome de Sandra Bullock, uma atrizes mais rentáveis do cinema atualmente), recebeu muitas críticas negativas e não ganhou indicação alguma a prêmios, nem mesmo ao Globo de Ouro que sempre costuma ser mais “generoso” nas suas categorias de atuação quando vê um longa estrelado por uma grande estrela (que, se indicada, trará mais audiência ao evento televisionado). Assim, é natural que Especialista em Crise chegue no Brasil e em outros países diretamente em DVD ou serviços de streaming, mas não apenas por isso. Este filme de David Gordon Green, de longas tão heterogêneos como Segurando as Pontas, Sua Alteza? e Joe, é um título que trata de temas tão específicos e de uma maneira tão estranha que é difícil vê-lo funcionar em todas as plateias. Como lançar um filme nas salas de cinema hoje em dia é uma tarefa que requer cálculo e preocupação redobrada com os riscos de prejuízo para as distribuidoras, o destino de Especialista em Crise em nosso país parece mais do que compreensível.

No filme, Sandra Bullock interpreta Jane “Calamidade”, uma competente consultora de imagem especializada em reverter quadros de baixa popularidade envolvendo políticos em processos eleitorais. Após um tempo afastada da profissão por motivos de saúde, Jane retorna ao jogo para ficar à frente da equipe de um candidato a presidência na Bolívia que precisa urgentemente de ajuda. O longa é baseado no documentário Our Brand is Crisis (mesmo título original deste filme), de 2005, dirigido por Rachel Boynton, que trata sobre estas manobras de construção (ou destruição) de imagens políticas em eleições na América do Sul. Em Especialista em Crise o resultado dessa adaptação é estranho, tendo em vista que, produzido pelo ator George Clooney, o filme acaba ganhando inafastáveis ares de discurso democrata. Acontece que nem a direção de David Gordon Green  nem o roteiro de Peter Straughan conseguem ser muito incisivos nas críticas que claramente pretendem traçar para todo o cenário político abordado no longa. Os comentários do diretor e do roteirista sobre as ações questionáveis desses estratagemas eleitoreiros são feitos na superfície e quando ganham o seu momento para se reverterem em discursos mais enérgicos diluem-se em um desfecho que não é dos mais satisfatórios. Além disso, todo Especialista em Crise é calcado na rivalidade entre as personagens da Sandra Bullock e do Billy Bob Thornton que jamais é trabalhada a contento pelo roteirista e por seu diretor, deixando o filme ainda mais frouxo em seus propósitos e na sua fluidez. No final, nem mesmo Sandra Bullock, que, por sinal, consegue um resultado muito interessante na construção da sua personagem através de recursos bastante sutis, já que o roteiro não é capaz de desenvolvê-la a contento, consegue manter o espectador instigado pelo discurso político burocrático e repetido de Especialista em Crise.

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