Do cinema para Tv, Fargo mantém excelência na estreia da segunda temporada

Cena do filme de 1996
Cena do filme de 1996

 

Quando Fargo, obra de 1996 dirigida pelos Irmãos Coen, recebeu, em 2013, sinal verde para virar uma minissérie com 10 episódios pelo canal a cabo FX, a primeira reação geral foi pensar no quanto essa era uma ideia estúpida.

A história de um homem que planeja o sequestro da própria esposa, para ficar com o dinheiro do resgate pago pelo sogro, é uma estranha e memorável jornada pelo centro-oeste americano.

Com violência e senso de humor peculiar, o filme “baseado em fatos”, retrata uma sociedade tão educada quanto reprimida em seu potencial agressivo. Visualmente, a neve fria, branca e asséptica serve como plano de fundo contrastante e inusitado à história sórdida que é contada.

Cheio de virtudes técnicas e com performances inspiradas de William H. Macy, Steve Buscemi, Peter Stormare e Frances McDormand, o filme foi bem recepcionado por público e crítica, ganhando prêmios em Cannes, no BAFTA e no Oscar.

Sendo assim, que relevância criativa teria uma minissérie que se propõem a recriaria essa história com mais tempo de tela? Noah Hawley, responsável pelo roteiro de alguns episódios da série Bones, topou o desafio de responder essa pergunta.

Com a ajuda de um elenco encabeçado por Billy Bob Thornton, Martin Freeman, Colin Hanks, Bob Odenkirk, Keith Carradine e Allison Tolman (até então pouco conhecida), Hawley foi muito além da adaptação e fez de Fargo uma fanfic de luxo.

Na trama, os policiais Molly Solverson (Tolman) e Gus Grimly (Hanks) investigam o rastro de sangue deixado pelo estado de Minesota após os caminhos do brutalmente ardiloso Lorne Malvo (Thornton) e do ridicularizado Lester Nygaard (Freeman) se cruzarem.

Lester é um completo imbecil, assim como o Jerry Lundegaard vivido por William H. Macy no filme de 1996 (observe como seus sobrenomes têm sonoridades parecidas). Da mesma forma, a astúcia simplória de Molly dialoga diretamente com a personalidade da Marge Gunderson de Frances McDormand.

Contudo, ao decorrer dos 10 episódios ficou claro para o expectador fã dos Coen que aquela era uma história nova e repleta de elementos que dialogavam com toda a filmografia dos irmãos, não ficando restrita apenas ao filme que batizava o programa.

Malvo é um vetor de violência semelhante à Anton Chigurh (personagem de Javier Bardem em Onde os Fracos não Têm Vez), e em determinado ponto da história, vemos uma personagem entrar, por ganância, em uma trama de chantagem maior que sua capacidade intelectual (situação semelhante a de personagens em Queime Depois de Ler), só pra citar 2 exemplos.

Assim, a história de transformação de Nygaard, de boboca fragilizado em covarde sem escrúpulos, também conquistou critica e público. O show, que conta com os Coen na produção executa, abocanhou prêmios no Critics’ Choice Television Award, Emmy e Globo de Ouro, sagrando-se como uma das melhores coisas que a TV produziu em 2014.

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Martin Freeman como Lester Nygaard na série de TV

 

Com o sucesso, Fargo foi renovada para uma segunda temporada, e a grande pergunta passou a ser: Será possível continuar mantendo a relevância do programa e superar a aclamada temporada anterior?

Pela estreia da nova temporada, no ultimo dia 12 de outubro, é seguro afirmar que Hawley tem boas chances de manter respondendo esse tipo de pergunta com um sonoro “sim”. Dessa vez, o showrunner parece ter encontrado um jeito de fazer uma prequel sem deixar de lado o caráter de antologia da série.

Sendo assim, uma história de violência ambientada em 1979 será contada com o auxílio de um elenco tão talentoso e numeroso quanto o da primeira temporada, incluindo Patrick Wilson, Kirsten Dunst, Jesse Plemons, Jean Smart, Ted Danson, Jeffrey Donovan, Cristin Milioti e Nick Offerman.

Logo no início, vemos um jovem Lou Solverson (Wilson vivendo papel que já foi de Carradine no ano anterior) tendo de interromper a história que está lendo para sua filha ( a pequena Molly, a protagonista da temporada anterior) quando é requisitado pelo xerife e sogro (Danson) para investigar um triplo homicídio.

O crime foi cometido por Rye (Kieran Culkin), o mais jovem dos três irmãos de uma família de mafiosos. No mesmo dia dos homicídios, uma série de acontecimentos esdrúxulos colocam Rye no caminho do jovem casal Peggy (Dunst) e Ed (Plemons), lançando-os em uma trama complexa e potencialmente trágica.

Fechando a equação, Otto (Michael Hogan), pai de Rye e chefe da máfia, sofre um AVC, lançando sua esposa Floyd (Smart) e seus filhos Dodd (Donovan) e Bear (Angus Sampson) em uma disputa pelo comando da organização. Ao mesmo tempo, longe dali, surge uma nova ameaça aos negócios da família.

Apesar de contar com tantos personagens envolvidos em uma sucessão de acontecimentos relativamente confusos, a episódio de estreia da temporada conduz o espectador com maestria, sem deixar ninguém perdido ou confuso. Assinando sozinho o episódio, Hawley entrega um roteiro primoroso e engraçado.

A direção de Michael Uppendahl e Randall Einhorn equilibra o suspense e o humor. As cenas violentas escapam do exagerado e do gratuito. Como na temporada anterior, e no filme, a comédia exala das situações e das personagens quase sempre servindo de pressagio para uma explosão de violência. A risada pode vir com certo desconforto.

A cinematografia é bonita e atenta aos detalhes da década retratada, e até mesmo momentos dissonantes do restante do episódio, como o plano sequencia inicial ou a presença de um ovni em um momento chave do episódio, têm seu charme e sentido dentro da proposta do show.

Em coletiva de imprensa do Television Critics Association, Hawley disse que as inspirações para essa segunda temporada serão, além de Fargo, Ajuste Final e O Homem que Não Estava Lá. Ainda é cedo para discussões aprofundadas sobre essa afirmação, contudo desde já parece seguro apostar que será bastante divertido descobrir, pelos próximos episódios, quanto disso é verdade.

Fargo é transmitida pelo FX toda segunda-feira e, infelizmente, não é exibida por nenhum canal a cabo ou da TV aberta brasileira.