Crítica: Vida

Ainda que não tenha sido a intenção do seu diretor Daniel Espinosa, o tributo de Vida a toda uma tradição de filmes ambientados no espaço é bem claro. Por um lado, o longa parece beber da mesma fonte de Gravidade, trazendo seu elenco estelar em uma situação crítica durante uma missão em Marte na qual todos devem fazer escolhas drásticas em prol da sobrevivência e do retorno à Terra. Do outro lado, tal qual Alien: O 8º Passageiro, acompanhamos esse mesmo grupo driblando as investidas de uma criatura alienígena que de repente toma de assalto o grupo confinado. E tudo é muito assustador, tenso, afinal, “no espaço, ninguém pode ouvir o seu grito” (o notório slogan do teaser de Alien, que aqui faz igualmente sentido).

Vida se apropria sem arroubos de originalidade das propostas de Alien e Gravidade e o faz com muita eficiência, sem que tal mix de referências voluntárias ou involuntárias soe como falta de criatividade dos seus envolvidos, muito pelo contrário. A intenção desde o princípio é fazer um filme comercial eficiente, ocasionalmente genérico, sem retirar o espectador da zona de conforto das suas expectativas, mas jamais subestimando a inteligência do mesmo ou confundindo entretenimento com produto barato. O resultado pode não ser nada que já não tenhamos visto, mas rende uma sessão bem divertida ao misturar horror e ficção-científica com uma direção habilidosa.

Em Vida o público é apresentado a uma equipe formada por seis astronautas que acabam descobrindo uma forma de vida em Marte. Ao investigar a composição biológica e as reações do novo organismo, batizado por eles de Calvin, a determinados estímulos, todos são surpreendidos pelas ações violentas do mesmo. Presos na nave com Calvin, os seis devem encontrar uma forma de sobreviver às investidas do seu antigo objeto de investigação científica e sair ilesos da situação.

De origem sueca, apesar do nome nos levar a uma ilógica associação latina, Daniel Espinosa tem uma carreira irregular como cineasta, já fez Crimes Ocultos, com Tom Hardy, e Protegendo o Inimigo, protagonizado por Denzel Washington e Ryan Reynolds, que retorna ao seu cinema aqui. Vida é possivelmente o seu melhor filme até então, ao menos aquele em que Espinosa pôde demonstrar que a condução da sua câmera fez a diferença no resultado da obra. Em muitos momentos, o longa sobrevive narrativamente graças aos esforços do realizador de encontrar soluções visuais instigantes para sua trama, como a perfeita consciência de que estando no espaço muitas vezes seus planos podem ser concebidos de cabeça para baixo ou testar movimentações da câmera no seu próprio eixo. Alfonso Cuarón fez isso em Gravidade e Espinosa parece buscar ali inspirações para o modus operandi do seu filme.

O mérito de Vida é que, dentro daquilo que se espera dos dois gêneros com os quais flerta (o horror e a ficção-científica) e que já tem como obra máxima Alien de Ridley Scott, o filme consegue estabelecer reflexões pontuais a respeito do conflito entre a situação de risco de vida protagonizada pelos astronautas e a busca pela sobrevivência de Calvin, fazendo o movimento dessas situações conflitantes e disputadas através de momentos que oscilam entre o pânico e a introspecção inerente ao espaço. É uma pena que sempre que o roteiro do filme busca alguma forma de extrapolar seus eventos e introduzir questões mais filosóficas o próprio procure formas de brecar uma eventual profundidade na história, como no momento em que o personagem de Jake Gyllenhaal declama trechos de uma história infantil no espaço para a personagem de Rebecca Ferguson e, subitamente, encontra naquelas palavras uma inspiração para sair da situação de perigo em que se encontra. Além de ser uma solução ingênua, é uma evidência clara da maneira estranha como o filme lida com a própria vontade de realizar mais do que uma distração para as plateias.

Ainda que possua suas contradições na própria execução, Vida é mais eficiente do que a maioria dos arrasa quarteirões que têm chegado por aqui. Com sua estampada cartela de referências, Espinosa faz um filme honesto e que não impõe ao seu elenco e ao seu espectador o lugar de fazer parte de uma experiência cinematográfica constrangedora. Analisando o longa em sua dinâmica produção/recepção salvam-se todos, não há maiores lesados, o diretor e seus atores conseguem fazer um filme que não os compromete artisticamente e o público sai do cinema com uma moderada satisfação a respeito de tudo aquilo que viu. Como dizem, é win-win.

Assista ao trailer do filme: