Crítica: Trash – A Esperança vem do Lixo

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Surpresa no lixão: A vida de Rafael (Rickson Tevez) muda quando ele encontra uma carteira.

 

Baseado no romance homônimo de Andy Mulligan, Trash – A Esperança vem do Lixo expõe uma visão ingênua da sociedade brasileira. O maniqueísmo permeia a disputa entre as classes, os bons são excessivamente honestos e moralmente inquestionáveis, os maus, a “banda podre” representada pela elite de nossa sociedade. A visão do inglês Stephen Daldry não deixa de ter verdades, mas é simplista, ingênua, rasa e sua execução é ainda mais óbvia do que o teor da sua mensagem ao emular o favela movie em seus tiques mais que esperados. No fim, o filme é uma espécie de arremedo mal feito e colorido de Cidade de Deus.

Em Trash – A Esperança vem do Lixo três garotos do lixão encontram uma carteira com algumas notas de dinheiro, uma identificação e algumas fotos do seu suposto proprietário com uma menina contendo no seu verso uma sequência de números. Logo aparecem na região alguns policiais procurando o objeto e os meninos passam a desconfiar que existe algo por trás da busca por aquela carteira. Ajudados por dois americanos, os garotos seguem as pistas deixadas pelo dono do objeto e são levados a um perigoso esquema que envolve um candidato a prefeito do Rio de Janeiro e a polícia local.

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Perseguição: Após ser encurralado por um grupo de policiais, personagem de Wagner Moura joga uma carteira em um caminhão de lixo.

 

Desde Billy Elliot, Stephen Daldry mostrou-se um exímio diretor de atores, especialmente crianças ou adolescentes. Em materiais como As Horas e O Leitor, por exemplo, o inglês, que vem do teatro, sempre soube conduzir com muita delicadeza a construção dos personagens dos seus filmes junto com o elenco. Não que em Trash – A Esperança vem do Lixo isso não ocorra, mas pelo longa manter esse discurso que evita colocar um dedo mais profundo na ferida o diretor não consegue ir adiante na história dos indivíduos que habitam aquela trama. Mesmo o trio central formado pelos garotos Rickson Tevez, Gabriel Weinstein e Eduardo Luís, que se esforçam e conseguem com muita naturalidade provocar empatia na plateia, sofre com a superficialidade do roteiro de Richard Curtis.

Não há em Trash um único vestígio que nos remeta ao realizador que Daldry foi em seus projetos anteriores. Até ai, nada demais, afinal a necessidade da presença do diretor na obra é questionável. No entanto, sai o diretor pulsante e cheio de sensibilidade de As Horas e O Leitor para entrar em cena um realizador pasteurizado, capaz de ceder, sem o menor embaraço, ao impulso de incluir cenas e planos desnecessários que só estão no filme para fazer a propaganda de conhecidas redes de lojas de roupas e de hotéis. Sem alma, Trash parece um subproduto de Cidade de Deus cujo propósito de realização autônoma foi dissolvido em prol do desenvolvimento de um produto para exportação com a embalagem frágil do filme política e emocionalmente engajado.

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Elenco e o “cinema nacional”: Apesar do destaque para os seus três jovens protagonistas, o filme se perde em meio aos clichês esperados para o Brasil nas praças estrangeiras.

 

De engajado Trash não tem nada. O filme de Stephen Daldry oferece uma solução pouco elaborada para a problemática social que sugere ao seu espectador, desperdiça uma dúzia de atores talentosos cujos personagens não possuem personalidades e propósitos bem definidos. Se muitos achavam que Tão Forte e Tão Perto foi a grande derrapada da carreira de Daldry, certamente farão uma revisão de suas conclusões ao assistirem Trash, um filme que segue a monotonia e a obviedade discursiva até o último segundo de sua projeção.