Crítica: The Normal Heart (HBO)

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Causa humana: Movimento gay a favor de uma cura da Aids é o tema de telefilme da HBO.

 

A década de 1980 não foi um período muito fácil para a “comunidade” gay norte-americana – e coloco esse comunidade entre aspas pois não gosto muito da definição, restringe um grupo a um gueto ao invés de incluí-lo na sociedade. Era o auge da epidemia da Aids e os primeiros casos noticiados envolviam homossexuais do sexo masculino. Somando o estigma de “grupo de risco” ao preconceito que os gays já sofriam – se hoje é perceptível, imagina na época -, o governo não teve intenção alguma de conter o avanço do contágio. Nesse cenário, os primeiros grupos politizados de homossexuais começaram a se organizar criando organizações de amparo às vítimas da Aids e buscando uma cura para o  que foi taxado de “câncer gay”.

The Normal Heart, produção original da HBO, faz um panorama dessa época com ecos ainda sentidos no presente através da homofobia e da penumbra que insiste em rondar a Aids. O homem por trás desse telefilme é Ryan Murphy, realizador de Comer Rezar Amar, mas que marcou seu nome mesmo ao conceber as séries Nip/Tuck e Glee. Mas aqui o tema não é tão suave, Murphy tem em mãos um material extremamente delicado. O roteiro de Larry Kramer aborda o envolvimento de Ned Weeks na luta pela tolerância gay em função das sucessivas perdas em sua vida. Muitos amigos de Ned morrem vítimas da Aids e ele e outros companheiros fundam uma organização de amparo às vítimas. No entanto, Ned quer mais do que ser um porto seguro para doentes terminais, quer que a cura da epidemia seja objeto de pesquisas para que ele e seus amigos possam relacionar-se sem o receio de contrair o vírus.

The Normal Heart Mark Ruffalo, Matt Bomer
Humanidade à flor da pele: A construção de relações de carne e osso pelo realizador e pelo seu elenco é um dos principais méritos do projeto. Interpretando o namorado do personagem de Mark Ruffalo, Matt Bomer é a revelação do projeto.

 

Ryan Murphy conseguiu abordar com muita sensibilidade os relacionamentos que preenchem esse filme, seja a relação de Ned com seu namorado, o jornalista do New York Times Felix Turner (Matt Bomer), seja sua afetuosa relação com o irmão mais velho, um amparo familiar que lhe trouxe bastante segurança e conforto para lidar com a sua sexualidade. Há muita sinceridade em torno dessas relações e por isso Murphy consegue trazer para seu filme um cenário em que o espectador se importa com o destino dos seus personagens, se envolva com suas histórias e desperte a consciência para a dimensão da sua causa. O tom panfletário do longa é notório e inevitável ao projeto, mas está longe de ser impertinente e forçado como algumas outras obras de cunho político ou social já foram. Por se apoiar no aspecto humano da causa, o tom de discurso em praça pública de The Normal Heart se justifica e se impõe ao espectador.

Como o protagonista do longa, Mark Ruffalo poderia ser uma das principais “vítimas” desse tom panfletário. Eventualmente, seu personagem surge em cena aos berros com outros personagens, causando uma certa irritação pelo tom constante de confronto, como já dito um traço do projeto que o diretor consegue controlar através das relações humanas que estabelece ao longo da fita. Por estar na linha de frente, Ruffalo acaba sendo prejudicado por esse aspecto inerente ao projeto, mas nada que prejudique a obra e o trabalho do ator. Sempre respeitoso com o personagem e com o contexto que o cerca, Ruffalo evita transformar Ned em uma alegoria histérica, evitando qualquer tipo de estereotipação ou afetação em sua composição.  No entanto, apesar de ser protagonista, Ruffalo acaba sendo ofuscado por seus colegas que oferecem ao público performances irretocáveis, entre eles Matt Bomer (uma grata revelação), intérprete do parceiro de Ned, que se transforma física e psicologicamente ao longo da narrativa; Julia Roberts, interessante como a pragmática porém humana Dra. Emma Brookner; Alfred Molina, comovente como o irmão do protagonista em uma cena definitiva para a obra; e Jim Parsons (de Big Bang Theory), com um pequeno personagem muito bem defendido pelo ator.

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Explosões: Tom panfletário do projeto é justificado pela dimensão do drama vivido pelos personagens. Julia Roberts tem uma das interpretações mais sólidas do filme.

 

Se The Normal Heart é uma obra panfletária e mergulha fundo no seu próprio tristeza é porque não havia outro meio para contar essa narrativa. Não há um momento particular de alegria nesse capítulo dos anos de 1980. Ryan Murphy justifica todo esse tom orgânico da sua obra através de personagens humanos com relacionamentos concretos, reais, de carne e osso. Por contar com atores que souberam sustentar esse aspecto da obra e por conduzí-los a nuances tão interessantes essa nova produção da HBO está entre uns dos seus melhores trabalhos nesse primeiro semestre, tão forte quanto Behind the Candelabra Temple Grandin em anos passados . É um dos raros casos em que a emoção transcende qualquer esquema objetivo de avaliação crítica.

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