Crítica: Praia do Futuro

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Wagner Moura interpreta Donato, um salva-vidas tragado pelo medo de ser o que é.

 

De Madame Satã a O Abismo Prateado conseguimos perceber o lugar central que o cineasta Karim Aïnouz confere aos seus personagens em suas produções. Aïnouz parece entrar em um processo de imersão profunda em seus protagonistas, conhecendo-os intimamente e perseguindo cada um dos seus mais particulares sentimentos e conflitos. Assim, não deixa de ser estranho que, ainda que cultive esse como um dos traços mais fortes de seu cinema, o realizador não tenha conseguido dar liga o suficiente à relação principal do seu mais novo longa, Praia do Futuro.

O filme é dividido em três atos que acompanham o desenrolar do relacionamento entre Donato (Wagner Moura), um salva-vidas do Ceará, e Konrad (Clemens Schick), um turista alemão no Brasil. Quando Praia do Futuro começa, Konrad acaba de perder o seu amigo, que desapareceu nas águas da famosa Praia do Futuro de Fortaleza. O alemão se aproxima de Donato, um salva-vidas da região que lhe dá a trágica notícia. Logo Donato e Konrad se apaixonam e entre o encontro no Brasil e um período de férias na Alemanha, Donato passa a confrontar inseguranças na maneira que lida com a sua sexualidade.

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Protagonista vive uma relação intensa com o alemão Konrad, papel de Clemens Schick, mas falta liga ao romance central.

 

Aïnouz sempre foi um cineasta mais de imagens que diálogos – um rigor que carrega com o apreço que tem pela direção de fotografia dos seus filmes, aqui, mais uma vez, impecável – , seu território é o mais subjetivo recanto da alma humana. No entanto, os conflitos dos seus personagens sempre tiveram liga. Em Praia do Futuro por mais que as angústias sejam legítimas, sobretudo as de Donato que são vinculadas ao medo de assumir a homossexualidade em sua terra natal, falta um nó mais firme nas relações principais do filme que deveriam ser a força motriz da narrativa. Os dois primeiros atos são muito distantes do espectador e o filme só ganha uma certa simpatia do público quando entra em cena o formidável Jesuíta Barbosa que agarra como ninguém um personagem  cheio de ressentimento e revolta, mas também bastante afetuoso e honesto em seus sentimentos, o irmão do Donato. Wagner Moura tem seus momentos interessantes, o que não seria nenhuma novidade tamanha a dedicação e a riqueza de detalhes que as composições do ator costumam ter, assim como o alemão Clemens Sick. No entanto, na queda de braço e por falta de um maior apuro no tratamento da dupla central, Jesuíta Barbosa vence com larga vantagem.

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O dono do filme: Jesuíta Barbosa tem a interpretação mais vigorosa do longa aparecendo somente no terceiro ato da história.

 

Influenciado por “Heroes” de David Bowie – algo semelhante ao que fez com “Olhos nos Olhos” de Chico Buarque em O Abismo PrateadoPraia do Futuro poderia ser uma belíssima história sobre referenciais familiares a partir da tensa e afável relação entre Donato (Moura) e seu irmão mais novo Ayrton (Barbosa), mas preferiu dedicar tempo demais ao romance entre o primeiro e o alemão Konrad (Schick). Não querendo dar uma de palpiteiro em uma situação que só cabe ao realizador Karim Aïnouz decidir, mas sensação que fica é que a verdadeira e mais intensa trama de Praia do Futuro só ganhou espaço no seu derradeiro ato ficando à deriva em um filme que poderia ser bem  mais à flor da pele do que sugere ser.