Crítica: Obra

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Crise: Prestes a ser pai, personagem de Obra entre em crise existencial

A existência do ser humano é passageira. Cabe a nós deixar prolongar esta passagem com um legado, ato de generosidade, mas também de extrema vaidade humana. Obra acaba sendo um filme sobre o estágio de nossa vida em que a gente se dá conta disso e nos perguntamos sobre o que realizamos e deixamos como herança para esse planeta e o que ainda podemos fazer. Invariavelmente, estes momentos de introspecção revelam uma crise.

Em Obra, Gregório Graziosi coloca esta crise em foco por intermédio do protagonista do filme, o arquiteto João Carlos, interpretado pelo ator Irandhir Santos. O personagem está vivendo um momento crucial em sua vida, está em plena execução da obra de uma nova construção, seu pai está com uma doença severa e ele está prestes a se tornar pai pela primeira vez. Em meio a todo este contexto conflituoso, João Carlos passa por uma crise de idade, questionando suas relações e sua vocação profissional. Cenário que só piora quando ele descobre uma enfermidade em sua coluna.

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O peso da responsabilidade: O filme todo gira em torno das preocupações do protagonista sobre o legado que pretende deixar

O diretor Gregório Graziosi nos apresenta a uma narrativa sustentada pelos silêncios, há pouquíssimos diálogos. Estes momentos de silêncio, por refletirem um vazio no peito e os pensamentos obsessivos e conflituosos do protagonista, acaba carregando a trama com uma atmosfera densa e até mesmo soturna, reforçada por uma bela e melancólica fotografia em preto e branco. O diretor e roteirista estabelece um óbvio paralelo entre a própria profissão de João Carlos e o estágio atual da sua vida, com a sucessão do passado pelo futuro, além, claro, da hérnia do protagonista, uma materialização do “peso nas costas” que uma responsabilidade nos traz.

Ao mesmo tempo que Obra tem como benefício evitar uma hiper-exposição, sendo bastante sutil em seu diálogo com o público, mais apoiado na linguagem audiovisual do que verbal, o longa acaba martelando em tópicos cíclicos, quando o que se espera é um avanço na abordagem do seu plot. Irandhir Santos sustenta muito bem o filme, que praticamente está sob a sua responsabilidade, já que o olhar de Graziosi é todo voltado para o seu João Carlos.

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Conflitos internos e externos: Protagonista colide com os demais personagens da história

 

Em tempos de muito barulho e pouca produção intelectual ou ousadia narrativa, Obra é relativamente um alento, ainda que eventualmente ande em círculos. Trata-se de um filme que convoca e desafia a cognição e o afeto da sua audiência. Ocasionalmente esta relação é recompensadora, em outros momentos leva a uma busca cansativa marcada por signos que não são nem tão complexos quanto aparentam ser, mas também requer um exercício constante das plateias. De qualquer forma, é uma obra temática e formalmente relevante.