Crítica: Neve Negra

Neve Negra possui todos os predicados que costumam ser atribuídos às produções argentinas aqui no Brasil: o filme é marcado por uma narrativa envolvente conduzida por um roteiro que dá atenção a reviravoltas surpreendentes, mas também a construções amadurecidas dos seus personagens e, claro, é protagonizado por Ricardo Darín. Porém, definir Neve Negra e o cinema argentino através desses atributos é  simplificador. Além de amarrar uma sedutora trama de suspense, o longa de Martin Hodara (de O Sinal) nos conta uma tragédia familiar, uma história de personagens guiados pelo rancor e atormentados pela culpa, mas também por um forte e impiedoso instinto de sobrevivência. É no drama humano e na predestinação de uma família a cumprir uma espécie de maldição que o longa impressiona quem está do outro lado da tela.

O filme acompanha o retorno de Marcos, personagem de Leonardo Sbaraglia (atualmente, um nome tão forte quanto o de Darín – ele esteve em O Silêncio do Céu, do brasileiro Marco Dutra), a sua cidade para convencer o irmão Salvador (Darín) a vender um terreno herdado por ambos. O reencontro de Marcos e Salvador traz à tona uma série de feridas não cicatrizadas na relação entre os dois. Desde que fora acusado de matar o irmão mais novo durante uma caçada com seu pai, Salvador vive isolado do mundo no chalé de propriedade da família e cabe a Marcos remexer em algumas coisas mal resolvidas do passado.

O longa de Hodara é fluido, centrado em uma narrativa que guarda seus mistérios e pouco a pouco os revela ao espectador. É certo que a maneira que ele encontra de desvendar algumas passagens mal resolvidas na vida dos irmãos recorre a recursos ingênuos, como a situação em que uma personagem do filme descobre um segredo muito importante da trama ao acaso, escondido em um cômodo danificado do chalé, mas ainda assim o que é descoberto nesse ato torna Neve Negra um suspense com ares shakespearianos e até mesmo esse acaso é orgânico à proposta do realizador.

Um dos grandes achados da obra é o seu trio central. Ricardo Darín está interessante como o amargurado Salvador e Leonardo Sbaraglia é sutil nas nuances do titubeante Marcos. Contudo, é Laia Costa quem entrega a performance mais instigante do suspense, sobretudo quando sua personagem cresce no terceiro ato. O êxito está no fato de que o trio consegue trazer mais substância a figuras que já parecem multifacetadas nos vestígios lançados pelo roteiro.

Contando uma história sombria de indivíduos desajustados e inquietos com a própria pele, Neve Negra deixa o público bem satisfeito. Dentro do seu gênero, o longa faz o espectador ficar atento a cada passo dos seus personagens, curioso pelo desenrolar da sua trama, e íntimo de uma realidade com a qual a gente só deseja espiar mesmo. Suspense dos bons, de encher a boca para elogiar.

Assista ao trailer do filme:

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