Crítica: Lembranças de um Amor Eterno

Considerado por muitos como um dos melhores cineastas italianos de sua geração nos anos 1990 com filmes como Cinema Paradiso, Estamos Todos Bem e Malena, Giuseppe Tornatore chega ao circuito com Lembranças de um Amor Eterno, protagonizado por Jeremy Irons e Olga Kurylenko. O longa não é o ponto alto da sua carreira, o diretor, por sinal, não tem feito obras tão marcantes quanto aquelas que compõem a sua fase “dourada”. Lembranças de um Amor Eterno é um drama centrado no romance de uma dublê de cinema de ação e aspirante a acadêmica com um renomado professor de astronomia. Os dois vivem um intenso relacionamento à distância, marcado por trocas de cartas, torpedos, e-mails, conversas via Skype (daí o título original italiano ser La Corrispondenza, algo como A Correspondência em tradução literal). Tudo vai bem até que o casal é atravessado por um acontecimento que muda completamente suas vidas e abala tudo que construíram em apenas três meses de relacionamento (AS LINHAS A SEGUIR CONTÉM SPOILERS DO FILME!).

Tornatore filma Lembranças de um Amor Eterno com muita delicadeza, dando o devido tempo para os seus personagens e para o público amadurecer seus sentimentos e percepções sobre a sucessão de eventos narrados na trama e como eles repercutem no âmbito privado desses sujeitos. Se por um lado isso é positivo, sobretudo se pensarmos que o cinema (e seu público) anda cada vez menos receptivo a longas com esse teor de introspecção, por outro tornam perceptíveis os pontos cegos do longa. Tornatore não consegue transformar seu romance em algo minimamente atraente para o público, que contempla a personagem vivida por Olga Kurylenko às voltas com um sofrimento que evidencia a crueldade do professor interpretado por Jeremy Irons. Ele não deixa a jovem viver o seu luto.

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O grande ponto de partida para o conflito do filme é a morte do personagem de Irons. Ciente de que está nos seus últimos dias de vida, ele deixa para a amada uma série de mensagens com reflexões sobre o relacionamento dos dois e pistas para a jovem fazer coisas que, supostamente, a ajudariam a superar o momento de dor. A lógica é praticamente a mesma de P.S. Eu Te Amo, no qual Gerard Butler passa um tempo tentando fazer com que a namorada interpretada por Hilary Swank não sinta a sua ausência através de inúmeras cartas deixadas após a sua morte. Ou seja, um ato de completo egoísmo apresentado como demonstração de amor, o “amor eterno” do título.

O que vemos na tela não é “bonitinho”, ainda que o realizador encontre lirismo em toda a sua contemplação da melancolia alheia.  Também não é uma maneira saudável de fazer a pessoa amada superar o luto, é egoísmo, sadismo, a personagem de Irons vira uma espécie de stalker pós-morte para a namorada vivida por Kurylenko, um fantasma na tela do seu notebook que sequer deixa uma brecha para que a mesma possa se relacionar com outros rapazes  (ele mesmo corta a possibilidade em um vídeo alegando ciúmes da namorada). Tornatore contempla essa dinâmica perversa com um olhar de admiração de quem tenta tornar etérea uma dor difícil de suportar e que é desnecessariamente prolongada por puro exercício narcisista. É verdade que toda esta contemplação da dor da jovem protagonista do filme permite que conheçamos um pouco mais o talento dramático de Olga Kurylenko, que consegue se sair muito bem na condução do martírio da sua personagem, mas torna a história difícil de ser acompanhada ou apreciada, pelo menos não tanto quanto o seu realizador parece estar se deleitando.

O longa tem cenas belíssimas que colocam em evidência a destreza técnica e a sagacidade de Tornatore para encontrar soluções interessantes em algumas sequências, como no exemplar plano-sequência que abre o filme e apresenta os protagonistas em um momento muito íntimo no quarto de um hotel e depois segue a personagem de Irons do corredor para o seu quarto e posteriormente de volta ao corredor deixando o local e a personagem de Kurylenko para trás. Contudo, um filme não é só a aplicação sensível e tecnicamente exemplar de recursos como este. Ao oferecer ao público uma história que gira em círculos na contemplação da sua atmosfera depressiva, sentimentos obsessivos e com uma dinâmica entre seus personagens no mínimo questionável, Lembranças de um Amor Eterno tem como fragilidade o seu posicionamento a respeito daquilo que parece ter como temática mais caro, o amor.

Assista ao trailer do filme:

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