Crítica: Lady Bird – A Hora de Voar

Quando somos jovens e estamos prestes a fazer a transição para a vida adulta, cultivamos uma série de expectativas sobre a independência dos vinte e poucos anos, sonhamos sobretudo em fugir de todas as amarras costuradas desde a infância e, como ato de rebeldia, negamos tudo aquilo que nos vincule ao projeto de vida que a família, a escola ou qualquer outra instituição nos propõe. No entanto, basta sairmos de casa e começarmos a encarar os horizontes da vida adulta que passamos a ter cada vez mais saudade de nossas raízes. É sobre esse processo de reconciliação com nossas origens, inerente a qualquer processo de transição para a vida adulta vivenciado por um adolescente, que Lady Bird: A Hora de Voar, o segundo longa de Greta Gerwig (anteriormente ela havia conduzido o inédito no Brasil Nights and Weekends ao lado de Joe Swanberg), trata.

Christine McPherson é uma adolescente que está no último ano escolar em Sacramento. Parte de uma comunidade católica, Christine odeia a cidade onde mora, sonha em ir para Nova York – o extremo oposto de Sacramento – e contraria praticamente tudo aquilo que sua família espera dela, principalmente a sua rígida mãe. Até mesmo o seu nome, dado por seus pais e abençoado pela igreja, Christine nega, preferindo ser chamada por todos de Lady Bird, algo que se torna simbólico (e até literal no subtítulo brasileiro) por representar as aspirações da protagonista do filme com o desligamento do seio familiar (sair do ninho dos pais).

Lady Bird não é um filme dado a inventividades ou qualquer vanguardismo cinematográfico. Com Lady Bird, Greta Gerwig quer contar uma história de ritos de passagem que não tem a urgência de seus concorrentes no Oscar por abordar eventos políticos ou históricos (DunkirkO Destino de uma Nação ou The Post: A Guerra Secreta), ter uma originalidade temática ou de exploração de um gênero (Corra!) ou mesmo ser dotado de um refinamento no uso dos elementos da linguagem cinematográfica (Me Chame pelo seu Nome). A potência de Lady Bird está na empatia com que constrói seus personagens e conduz sua jornada, sobretudo a protagonista interpretada pela graciosa Saoirse Ronan, e também na maneira simples como sua diretora e roteirista faz tudo isso. Gerwig torna o rito de passagem pelo qual sua protagonista passa palpável ao sair da zona dos estereótipos.

No lugar de transformar a rebeldia de Lady Bird no capricho de uma menina mimada (o que não é), Gerwig faz com que a grande questão da sua protagonista seja a sensação de inadequação inerente à adolescência e a quem a vivenciou em ambientes mais rígidos como é o caso da comunidade católica de Sacramento representada no filme. Gerwig preenche essa garota de empatia pelo drama daqueles que a cercam, da sua severa mãe, interpretada brilhantemente por Laurie Metcalf, ao amigo que compartilha com ela o medo que sente pela possibilidade de Sacramento inteira descobrir que ele é gay. Isso tudo faz com que Lady Bird seja uma personagem com a qual as pessoas conseguem ter algum afeto e se relacionar com sua jornada. A protagonista é marcada por uma jornada de erros típicos da adolescência, o que a torna ainda mais humana, aderindo ao propósito de Gerwig de construir um conto sobre rito de passagem de forma maduro, mas simpática, bem humorada.

Em Lady Bird, provavelmente o espectador não encontrará uma jornada de eventos com proporções globais, mas não há dúvidas de que encontrará uma trajetória com a qual se identificar. Não há razão para esperar que o filme seja mais do que ele é. Pequenos eventos como os vivenciado por Christine ‘Lady Bird’ McPherson não têm dimensões simplórias, muito pelo contrário, talvez sejam as situações mais determinantes da vida da gente. É difícil dizer que Lady Bird é um filme ruim ou que ele não é “nada demais”, como andam desdenhando. Ainda que tenhamos outras preferências na temporada de prêmios, Gerwig e seu pequeno filme conquistam pela simpatia.

Assista ao trailer do filme: