Crítica: Divinas Divas

Maquiagem, figurino, o palco do teatro Rival e a voz da atriz e diretora Leandra Leal ao fundo. Esses são os primeiros elementos que o espectador tem contato na sequência de abertura do documentário Divinas Divas. Em cena, o público vê as personagens que serão retratadas durante o documentário, as oito travestis mais antigas e famosas do Brasil, são elas: Rogéria, Marquesa, Divina Valéria, Jane di Castro, Brigitte de Búzios, Fujica de Holiday, Eloína e Camille K.

Com um olhar sensível e apurado, Leal mostra a preparação das artistas para um último espetáculo juntas no Rival, local onde atuaram no início de suas carreiras e é mostrado como um espaço que sempre as aceitou, apesar do pré-conceito da sociedade. A discussão sobre os percalços, alegrias e amores é bem explorada. A projeção percorre todos os âmbitos da vida das protagonistas do filme, desvendando cuidadosamente cada detalhe que precisa ser explorado.

É curioso notar a forma como o roteiro é bem costurado. Entre idas e vindas das salas de ensaio e palco, aos poucos o espectador é levado para a noite de estreia. A sensação que o filme passa é de que ele também está se preparando para aquele momento, quando a plateia vai finalmente ter contato com a celebração de carreiras tão belas, mas banhadas de luta, dor e busca pela compreensão.

A fotografia também é um ponto alto de Divinas Divas, principalmente quando as artistas estão em cena. Enquanto performam, a câmera passa ao redor delas, revelando uma iluminação tocante e cheia de cores, conseguindo capturar a essência das personagens retratadas no documentário. A cena parece crescer, quando a música se instala e a luz bate no corpo das intérpretes.

Mesmo repleto de qualidades, o longa apresenta algumas questões que podem incomodar o espectador mais exigente. O primeiro quesito a ressaltar é a falta de ouvir o ponto de vista do outro lado, dos conservadores. Obviamente, essa não era a intenção de Leandra Leal, que demonstra tentar trazer um filme poético, uma ode a estas artistas. Contudo, ainda que fosse extremamente desprazeroso, seria importante escutar a voz dos incomodados. Os relatos das travestis e as páginas de jornal ilustram um pouco do olhar pré-conceituoso para a comunidade da qual fazem parte, porém isto não é o suficiente para dimensionar a luta e o confronto.

Outra questão, e talvez esta seja amenizada pela idade das principais, algumas frases machistas e racistas ardem nos ouvidos e descem como um gole amargo de decepção. Uma das interpretações é a de que a diretora queria mostrar as oito mulheres como elas são, seus defeitos e qualidades, ganhos e perdas, escolhas acertadas e o final da vida de uma delas.

Apesar dos pequenos problemas, Divinas Divas é uma realização que vale ser conferida. Vencedor do prêmio do público no SXSW (South by Southwest) e no Festival do Rio – no qual também recebeu o prêmio Félix – o documentário é importante pelas discussões, pelo olhar poético, por personagens tão cativantes e pela representatividade.

Assista a um trailer do filme:

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