Crítica: Ave, César!

O cinema dos irmãos Joel e Ethan Coen é daquele tipo que possui características tão constantes que até mesmo o público eventual consegue reconhecer as marcas dos títulos do diretor se ao menos teve contato com um de seus filmes. Do irônico, discreto e corrosivo humor com que os cineastas constroem os seus personagens e as situações nas quais eles são inseridos, até às suas incisivas críticas a valores e ciclos da sociedade norte-americana, filmes como Fargo, O Grande Lebowski, Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum e até empreitadas mais “sérias” dos realizadores como o vencedor do Oscar Onde os fracos não têm vez são títulos unificados e singularizados na recente filmografia norte-americana por apresentarem propostas estilísticas e narrativas bem peculiares dos diretores. Ave, César!, mais recente longa da dupla, claro, segue o mesmo caminho. Portanto, não decepciona em nada os fãs dos cineastas.

No filme, os Coen nos insere nos bastidores do cotidiano dos estúdios de cinema Capitol Pictures na Hollywood dos anos de 1950. Em meio às filmagens de produções grandiosas da época de ouro do cinema norte-americano e o temperamento instável de estrelas e diretores de cinema, acompanhamos a rotina de Edward Mannix (vivido por Josh Brolin), “cabeça” do estúdio que, entre suas várias funções, afasta as principais atrações da casa de escândalos midiáticos que possam arruinar suas carreiras e manchar a imagem da Capitol Pictures. Acontece que Mannix não terá um dia de trabalho nada fácil quando descobre que o famoso astro da produção épica “Ave, César!”, cujas filmagens estão em andamento, desapareceu misteriosamente após uma ação bem sucedida de uma organização secreta chamada “Futuro”.

Funcionando muito bem em duas frentes específicas, a comédia e o suspense policial (ambos adaptados às perspectivas que os cineastas possuem dos dois gêneros, claro), Ave, César! é uma verdadeira ode ao cinema do período que pretende retratar. Além dos gêneros com os quais sua trama central dialoga, Ave, César! oferece ao espectador uma compilação de homenagens interessantes a produções populares do período, como os westerns, os musicais com sapateado, os épicos históricos/religiosos, os melodramas, os filmes com acrobacias e coreografias aquáticas etc. Tudo está em Ave, César! na medida em que acompanhamos a rotina da Capitol Pictures em sequências produzidas com disciplina pelos Coen (cujo estudo de elementos como a fotografia, o tipo de performance dos atores etc. é visível na execução dessas cenas), que contam com o suporte do competente diretor de fotografia Roger Deakins, da equipe de direção de arte e dos figurinos de Mary Zophres.

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Acontece que tudo isso é adorno – um belíssimo e interessante adorno, é preciso reconhecer – diante do que parece ser a força motriz de Ave, César!. Através da sua trama policial, os Coen, com a inteligência e perspicácia que lhes são peculiares, nos insere em uma rede de conspirações a respeito dos “braços” comunistas que se “infiltraram” nos estúdios naquela época, os roteiristas. Nesse mesmo ano, o tema foi tratado no filme que rendeu uma indicação ao Oscar para Bryan Cranston, Trumbo, de uma maneira bem burocrática, é verdade, mas em Ave, César! ganha um tratamento mais interessante e inusitado. A fusão entre a homenagem à era de ouro de Hollywood e o deboche dos realizadores com a paranoia comunista que tomou conta dos EUA naquele período faz de Ave, César! um interessante mosaico sobre a produção cinematográfica do período, mas também da sociedade norte-americana da época e o do modus operandi dos estúdios de cinema.

Com um elenco muito bem em cena, composto por antigos colaboradores dos diretores, como George Clooney (funcionando sempre na medida para os tipos que os realizadores costumam escalá-lo), Josh Brolin, Scarlett Johansson (cada vez mais saindo da moldura na qual foi colocada nos primeiros anos da sua carreira), Frances McDormand e Tilda Swinton, como também novas adições em seus currículos, é o caso de Ralph Fiennes, Christopher Lambert (!!!!), Jonah Hill e Channing Tatum (excelente em sua breve mas importante participação), o destaque ficou para o novato do grupo, o jovem ator de nome praticamente impronunciável, Alden Ehrenreich, conhecido por sua participação em Tetro, filme de Francis Ford Coppola de 2009. Ehrenreich interpreta uma jovem estrela de westerns, marcada por sua inocência e pela sua dificuldade de interpretar, mas que passa a ser a “galinha dos ovos de ouro” da Capitol Pictures dirigida pelo personagem de Josh Brolin. Alden Ehrenreich faz um tipo interessante que não só funciona bem no universo dos Coen, atuando na mesma voltagem dos restante dos personagens do filme, como também consegue conferir uma dimensão humana ao criar uma forte empatia com o público desde a sua primeira sequência.

Entre a reverência à antiga Hollywood e a crítica à paranoia comunista, Ave, César! consegue ser mais um acerto de Joel e Ethan Coen. Nada fora da curva, mas nem precisava ser. O filme é coerente com tudo o que os realizadores têm feito até aqui com seus comentários irônicos sobre a sociedade americana e com suas apropriações bem particulares da gramática cinematográfica. É preciso ter muito fôlego, coragem e repertório para chegar tão longe e com tanta maturidade na constância produtiva que os Coen vêm apresentando desde que surgiram no cinema e Ave, César! é outro momento muito bom dos realizadores.